Outdoor mostra partido-aluguel à caça de candidato-locatário

Nos últimos dias, ganhou a pauta dos jornais a proposta que visa restringir a criação de novas legendas partidárias no Brasil. A proposta impede que novas legendas tenham acesso a fundo partidário, tempo de TV e outros direitos que as legendas já estabelecidas tem.

Em discurso no Senado, Humberto Costa (PT-PE), afirmou que “já são 31 legendas partidárias no Brasil e outras 39 estão pedindo legalização. Não há 70 ideologias diferentes em nosso país que justifiquem isso”. Por outro lado, outros senadores se posicionaram avaliando a proposta como casuísta, visto que tem como objetivo dificultar a candidatura de Marina Silva a presidência da República pelo REDE.

A discussão não é nova. Nos últimos anos foram vistas várias argumentações a favor de cláusulas de barreira, restrição aos debates de TV, voto distrital e outras formas que restringiriam, ao mesmo tempo, os partidos de aluguel (os chamados “nanicos”) e também partidos pequenos, mas com ideologia, como PSOL, PCB, PSTU e outros.

Sou simpático ao argumento de Humberto Costa: é verdade que não há ideologias que justifiquem a organização de 70 legendas partidárias no Brasil. Mas entendo que o debate tem outras raízes. A questão, de fundo, a meu ver, é a despolitização da política  no Brasil.

Depois da abertura política pós-Ditadura Militar, no começo dos anos 1980, surgiram diversos partidos políticos que agrupavam as posições políticas mais fortes da época: a situação se dividiu entre PFL (depois de 1985) e PDS, a oposição institucional ficou no PMDB, o trabalhismo getulista foi para o PDT e a oposição mais radical ao regime ficou com o PT. Já nesta época surgiu o PTB, uma legenda já com caráter fisiológico desde então.

Depois disso, outras tantas legendas surgiram, chegando hoje ao número de 31 (ou 30, devido à fusão de PPS e PMN que deu origem ao MD – Mobilização Democática). A maior parte dessas legendas é conhecida por seu caráter fisiólogico e de aluguel. Algumas delas deixam isso bem claro em seus materiais na TV e em e-mails quando afirmar que naquele partido há facilidades para candidaturas e/ou liberdade para Diretórios terem a sua própria política.

Vale registro também que a maior parte dessas legendas foi criada antes da atual legislação (Lei 9096/95), que exige o apoio através de assinaturas de 0,5% do eleitorado brasileiro para a criação daquele partido (são as tais 500 mil assinaturas). Isso mostra que os argumentos de que não há restrições para a criação de legendas são falsos.

Como fazer, então, para restringir os partidos de aluguel e garantir a manutenção de partidos ideológicos?

Primeiramente, é difícil ter critérios objetivos para isso. Vejamos o PP – Partido Progressista – que tem origem no setor mais à direita da antiga ARENA. Este partido tem uma posição claramente fisiológica, estando na base de sustentação da maior parte dos governos municipais, estaduais e também do governo federal. Apoia, por exemplo, o governo de Beto Richa (PSDB) e de Dilma Roussef (PT).

O apoio a vários governos de grupos políticos rivais demonstraria objetivamente o caráter fisiológico deste partido. Mas também não poderíamos dizer que isso mostra exatamente o contrário, devido a proximidade política que tem hoje as ações de PT e PSDB?

É por isso que a questão de fundo é a despolitização da política, é a pasteurização das legendas políticas brasileiras que, com raras exceções, como é o nosso PSOL, estão cada dia mais parecidas, com programas políticos “consensuais”, que diferem em questões muito pontuais. A multiplicação de legendas é fruto desta despolitização. Na ausência de um debate político de fundo, todos (ou quase todos) querem o seu quinhão. Como não há espaço para todos numa mesma legenda, briga-se e monta-se outra, para fazer o mesmo que a anterior.

O movimento do PT e do PMDB para restringir a criação de novos partidos não tem nada a ver com uma visão sobre a política brasileira e/ou com a vontade de realizar uma reforma política popular e democrática. A oposição de PSDB e DEM a este projeto também não é por um viés conceitual e/ou ideológico. As pequenas legendas de aluguel são úteis aos partidos dominantes da política nacional. São elas que aumentam tempo de TV quando preciso ou que criam candidatos laranjas para ataques indiretos quando é preciso fazer “jogo sujo”.

E o mais contraditório dessa história: a discussão surgiu a partir da tentativa de barrar o REDE, legenda recém-criada para lançar Marina Silva a presidente em 2014. E qual a ideologia do REDE? Pois é, nem de esquerda, nem direita, nem governo, nem oposição…

Publicado originalmente em CSOL.