“Se o operário soubesse
Reconhecer o valor que tem seu dia
Por certo que valeria
Duas vezes mais o seu salário

Mas como não quer reconhecer
É ele escravo sem ser
De qualquer usurário

Abafa-se a voz do oprimido
Com a dor e o gemido
Não se pode desabafar

Trabalho feito por minha mão
Só encontrei exploração
Em todo lugar”

Foi com o belo Samba do Operário, de Cartola, Nélson Sargento e Alfredo Português, que a roda de samba da 1ª Festa do Dia do Trabalhador, comandada pela rapaziada do Samba do Sindicatis, teve início. Em Curitiba, o sol brilhava e já passavam das 4 horas da tarde. A Casa Amarela estava cheia, a cerveja mais do que gelada. Violões e cavacos afinados, pano da cuíca molhado, cozinha organizada, repertório na ponta da língua. Tudo certo para um evento que com certeza merece próximas edições.

Nos momentos seguintes, todos entoaram sambas que falavam do trabalho, do trabalhador, da malandragem, das desigualdades sociais. Um repertório vasto, que passava pelo getulismo-trabalhista de “O Bonde São Januário”, pela ácida crítica de “Salário Mínimo”, pelas relações machistas de “Emília”, pelo jeitinho de “Abrigo dos Vagabundos”. Mostrava a classe trabalhadora em todos os seus momentos, em todas as suas contradições: na luta por melhores salários e condições de vida, nas ilusões com governantes populistas, nas relações desiguais de gênero. Um repertório de compositores que, em sua maioria, não tinham diploma oficial e que compunham a partir de suas observação das durezas do cotidiano.

Crédito: Renato Oliveira

As músicas tocadas, a maior parte delas compostas na primeira metade do século XX, mostraram que a luta dos trabalhadores deve continuar, visto que ainda falta um zero nos ordenados e muitas vezes temos que ir comer no “China”, os 750 do salário mínimo continuam não dando para sustentar cinco filhos, mulher e sogra, o patrão continua dizendo que “não é hora” quando se fala em aumento, os ministérios são criados e os problemas não são efetivamente resolvidos!

A Casa Amarela, sede do PSOL, também confirmou sua vocação: ser um espaço amplo, onde possam se reunir ativistas culturais, movimentos sociais, lutadores de uma sociedade mais democrática e menos desigual. Lá estavam a rapaziada do Samba do Sindicatis, a turma do Samba da Tradição, ativistas culturais de diferentes vertentes, militantes de partidos de esquerda, admiradores do samba de maneira geral.

Até a roda começar, pelo um certo ineditismo do evento, uma dúvida rondava minha cabeça: será que nós, que sempre criticamos a Força Sindical e a CUT por fazerem grandes festas e sorteios de carro no Dia 1º de Maio, estávamos fazendo o mesmo? A dúvida foi desfeita com o próprio andamento do evento: foi possível mostrar que nem toda festa tem que ser com bandinhas da moda, com dinheiro dos patrões, com música que só toca na rádio porque paga jabá…

Desde que comecei a participar de movimentos sociais e que conheci os sambas da primeira metade do século XX, imaginava que era possível juntar as duas questões. Por algumas vezes, sugeri a sindicatos a realização de um evento como o de ontem. Outras tantas vezes conversei sobre isso com amigos do samba. Até uma tentativa de monografia surgiu da vontade de debater a situação dos trabalhadores a partir dos sambas de Zorba Devagar, Alvaiade, Wilson Batista, Adoniran e outros. Agradeço imensamente à moçada do Samba do Sindicatis pelo empenho e parceria nesta atividade!

A única notícia ruim é que ainda faltam 364 dias para o próximo 1M. Até lá, teremos o áudio e videos do evento para matar as saudades (em breve serão disponibilizados). E, se você gostou do Samba do Sindicatis, acompanhe as rodas de samba quinzenais que acontecem no Bar Botafogo, na rua Manoel Ribas; se você gostou da Casa Amarela, fique atento as atividades que por lá acontecem, como o Sarau de literatura e uma arte convidada, que é mensal, na segunda sexta-feira do mês.

Para acessar o material com o repertório especialmente selecionado para a festa, clique aqui. Se você quer acessar o áudio da roda, clique aqui.