voto-destritalEntre as propostas de reforma política que circulam no parlamento e nas ruas, uma das que vem ganhando adesão, mesmo que difusa, é a da adoção do chamado voto distrital. Esse tipo de voto seria responsável pela “aproximação do eleitor com o eleito” e permitiria “maior fiscalização dos mandatos”, visto que cada um dos 513 deputados federais (no caso da Câmara Federal) seria eleito  num distrito, em votação majoritária (semelhante à votação de Senador).

Mas não é bem assim… Vejamos alguns motivos para sermos contra o voto distrital:

1) Representação regional x representação política:

O voto distrital estabelece que a representação no Poder Legislativo será a partir dos distritos, fazendo com que o eleito represente aquela pequena área. Isso enfraquece o debate sobre temas amplos, como direitos humanos, direitos trabalhistas, políticas públicas, questões ambientais, etc.

Os defensores do voto distrital também “esquecem” que os interesses de uma determinada região não são homogêneos. Será que todos os moradores de um possível distrito que aglutine Campina do Siqueira, Campo Comprido e Santo Inácio (três bairros próximos em Curitiba) defendem o mesmo para a área de saúde?

Infelizmente, muitos parlamentares já trabalham na lógica do voto distrital: recentemente ouvi o deputado estadual Nelson Justus (DEM) dizer em propaganda na TV que ele é “municipalista”, que representa os interesses do Litoral do Paraná. Mas de qual interesses estamos falando? Dos trabalhadores do Porto, dos donos do Porto , dos defensores do meio-ambiente?

Com o voto distrital, teremos ainda mais “representantes regionais”, excluindo parlamentares que defendem questões de classe. O recente debate sobre a sede da Reitoria da Unespar na Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP) mostrou como o debate regional esvazia o debate político. Na ocasião, a ALEP colocou o debate regional como prioridade, enfraquecendo o debate sobre a autonomia universitária, condições de ensino e permanência, etc.

2) Enfraquecimento dos partidos:

Atualmente, o sistema para eleição de vereadores, deputados estaduais e deputados federais é proporcional. É um modelo que fortalece os partidos políticos, embora a primeira vista seja difícil de entender (ano passado, durante as eleições, fiz uma tabela que ajuda a compreender como funciona).

Hoje o eleitor brasileiro pode escolher, na hora de votar, entre o voto no partido ou no candidato. E, mesmo que vote no candidato, ele também está votando no partido. Isso faz com que a eleição saia do foco individual, podendo haver o voto num programa, numa ideia, num partido. Este modelo fortalece os partidos ideológicos/temáticos, como PSOL, PCB, PSTU, PV, PT e PCdoB (vale registrar que estes 3 últimos vem perdendo votos de legenda após sua crescente adaptação ao sistema político). Se tivéssemos no Brasil um partido de direita ideológico, este também seria favorecido.

A grande questão desse modelo é que ele precisa ser esclarecido. Em todas as eleições, os TRE’s fazem uma série de propagandas sobre as “eleições limpas”, “compra de votos”, entre outros temas, mas em nenhum momento explicam como funciona o sistema proporcional.

3) Falsa polarização entre dois partidos:

Democratas contra Republicanos nos Estados Unidos e Tory contra Labour na Inglaterra. Esses são dois bons exemplos de como o voto distrital concentra o poder político em poucos partidos, sem significar que estes partidos representam ideologias políticas opostas.

Tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos há uma diversidade grande de partidos e candidatos (na Inglaterra são mais de 100 partidos políticos) mas apenas 2 conseguem eleger parlamentares, devido ao voto distrital (no caso dos EUA, a situação é agravada pela falta de horário eleitoral gratuito, que acaba por encarecer muito as campanhas, excluindo candidaturas que não são financiadas por grandes grupos econômicos).

O que queremos?

É preciso uma reforma política/eleitoral que fortaleça o voto ideológico, ou seja, o voto em ideias e programas. Para isso, é preciso diminuir o peso do poder econômico, do clientelismo e da compra de votos no processo eleitoral. Algumas medidas que caminham neste sentido:

1) Fim do financiamento privado por empresas e limite de gastos em campanha:

Nenhuma empresa rasga dinheiro ou faz doações. Empresas fazem investimentos. Isso vale para suas fundações de caridade e também para as doações em época de campanhas eleitorais. Na maior parte dos casos, as empresas interessadas em obras e contratos com o poder público financiam vários candidatos, buscando garantir de “qualquer forma” seus interesses numa futura gestão.

Além de proibir este “toma-lá-dá-cá” generalizado, é preciso limitar os gastos de campanha. Atualmente, uma campanha pode gastar o quanto quiser numa eleição. Em algumas campanhas para o legislativo, gasta-se mais do que o parlamentar vai receber como salário nos 4 anos de mandato.

Já a falta de limite de gastos também incentiva a compra de votos. Há candidatos, por exemplo, que contratam mais de 2.000 pessoas para serem segurarem bandeiras nas esquinas movimentadas da cidade. Em muitos casos, isso lhe garante uma parcela grande de votos, visto que muitos “bandeirantes” se sentem agradecidos pelo “emprego” conquistado e acabam votando em tal candidato, muitas vezes arrastando sua família junto.

2) Fim das emendas individuais no Orçamento Público:

As emendas individuais criam uma rede promíscua de clientelismo e favorecimento entre Poder Executivo e Legislativo. Para liberar a realização da emenda (normalmente uma obra pública), o Poder Executivo exige apoio a um projeto de lei, normalmente algo impopular. E o parlamentar se submete a isso, porque usa a obra realizada como propaganda sua na época da reeleição, fazendo parecer que a obra foi construída com dinheiro próprio e não com recursos públicos.

3) Fim do voto secreto no Parlamento:

Ainda existem situações no Parlamento em que o voto é secreto. No Congresso Nacional, essa modalidade de voto é usada para decidir sobre a cassação de mandatos, para escolha dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, entre outros pontos. Isso se repete em muitas assembleias legislativas estaduais e câmaras municipais. O voto secreto facilita a existência de parlamentares que nunca se posicionam sobre os temas em votação, escondendo sua posição daqueles que o escolheram.

4) Voto em lista:

Hoje o eleitor vota no candidato e no partido ao mesmo tempo. Os grandes partidos se aproveitam desse modelo e lançam vários candidatos “honestos e úteis” para que o voto nesses acabe somando na legenda e elegendo os membros da cúpula partidária.

O voto em lista visa escancarar esta situação. Ele estabelece que o partido deve dizer, previamente, quais são os candidatos prioritários para o partido, fazendo com que o eleitor saiba que, para eleger um candidato “honesto e útil”, terá que eleger primeiro aquele candidato que ele não gosta ou que esteve envolvido em algum escândalo de corrupção.

Mas a grande questão é a socialização de riquezas…

Mas nenhuma mudança na forma de eleição terá efeito duradouro  da se não tivermos uma ampliação da democracia econômica. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e isso tem impacto direto no sistema político. Por muitas vezes, uma parcela importante da sociedade “vende” seu voto, por uma cadeira de rodas, por uma centena de telhas ou por uma lombada na rua, porque vê que esta é a única forma de conquistar um direito.

Enquanto uma parcela da sociedade precisar vender seu voto para garantir direitos básicos, não haverá sistema política que garanta uma verdadeira democracia em nosso país. Portanto, ter efetividade nas políticas públicas é também um ponto importante reforma política.

Outros textos sobre o tema reforma política:

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