20130721-182239Desde meados do primeiro semestre, vem ganhando espaço nos noticiários diversas propostas do governo federal que visam “atacar” a falta de profissionais médicos em cidades localizadas fora dos grandes centros urbanos. Ficou evidenciado a partir daí a desigualdade da distribuição de profissionais, visto que o Brasil convive com grande concentração de médicos em cidades como São Paulo e Brasília e com outras 700 cidades onde não há nenhum médico.

Entendo que esta desigualdade de distribuição dos profissionais do ensino superior tem razões históricas, não atinge apenas os médicos, tende a se acentuar devido a algumas políticas do Ministério da Educação (MEC) e precisa de políticas de longo prazo para ser equilibrada.

Os grandes centros urbanos

A partir do primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945) foram conquistados diversos direitos sociais pelos trabalhadores, que vinham se mobilizando, especialmente a partir do final da década de 1910. Mas estes direitos foram garantidos basicamente para os trabalhadores urbanos, que na época eram bastante minoritários em relação ao número de trabalhadores rurais.

A partir daí, a migração para os  grandes centros urbanos passou a significar expectativa de mobilidade social e também de garantia de direitos trabalhistas e sociais. Essa expectativa, associada a intensa concentração fundiária e mecanização do trabalho no campo, fez com que, entre 1930 e 1980, milhões de pessoas saíssem das zonas rurais e migrassem para as cidades.

Neste cenário, o acesso a bens e serviços, como lazer, cultura, políticas públicas de saúde e educação ficou concentrado nesses grandes aglomerados urbanos. Tal concentração de atividades incentiva até hoje esse movimento de migração. É preciso dizer também que o “interior” não é algo homogêneo, variando entre as regiões do Brasil e também dentro do mesmo estado. Há, no interior, cidades do mesmo porte que as grandes capitais, com o mesmo acesso a bens e serviços.

A educação superior e a concentração de profissionais

Como não poderia deixar de ser, as universidades e faculdades públicas foram construídas nas grandes cidades e, neste sentido, ajudaram no processo de concentração de profissionais qualificados nos grandes centros urbanos. A primeira universidade federal criado numa cidade interiorana foi a Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, apenas em 1960.

Hoje a política governamental aponta a falta de médicos, mas o fato é que, em cidades pequenas, há ausência de todo tipo de profissionais, como engenheiros, advogados, outros profissionais de saúde, entre outros. E as recentes políticas educacionais dos governos do PT são contraditórias neste sentido.

De 2003 para cá, foram criadas diversas extensões universitárias pelo interior do país, acentuando um processo que já havia se iniciado timidamente no governo de FHC. A criação de tais extensões ajudaria no processo de reversão da tendência à concentração populacional nas grandes cidades, visto que permitiria acesso a educação superior perto de sua casa para uma parcela da população que antes precisava migrar para poder estudar numa instituição de ensino superior.

Mas essa política não vem se efetuando por dois motivos: a criação do SiSu (Sistema de Seleção Unificada) e a ausência de interiorização das demais políticas públicas. O SiSu, que seleciona estudantes a partir da nota do ENEM, facilita que as vagas das extensões universitárias sejam ocupadas por estudantes oriundos dos grandes centros. Na UFAC (Universidade Federal do Acre), por exemplo, 100% das vagas do curso de Medicina são preenchidas pelo SiSu, o que permite que muitos estudantes do Sul e do Sudeste possam ir para lá cursar a faculdade. A tendência é que, após sua formatura, os estudantes voltem para suas cidades de origem, atrapalhando a fixação de profissionais no Acre.

Para além disso, a expansão das universidades não foi acompanhada pela ampliação de outras políticas públicas. E muitos locais, os campi foram doados pelas prefeituras, em geral em terrenos com pouca ou nenhuma estrutura, chegando ao extremo de alguns locais não terem acesso a rede de internet, ruas de asfalto, etc. Isso explica, por exemplo, o grande pedido de transferências desses campi para as sedes das universidades por parte de professores e técnico-administrativos. Há também casos em que as vagas não são preenchidas: um exemplo disso é o campus do IFPR (Instituto Federal do Paraná) de Palmas/PR, em que a vaga de professor de Sociologia está no quarto concurso.

Reforma agrária

Para reverter essa concentração populacional em grandes cidades e facilitar a interiorização de profissionais com alta qualificação, uma reforma merece destaque: a reforma agrária. Mais do que um “ataque ao direito de propriedade”, tais reformas são fundamentais para uma reconstrução do modelo de ocupação territorial do Brasil.

Pude verificar isso in loco na cidade de Palmital, no interior do Paraná. Ao chegar na cidade, percebi que todos que por lá moravam apoiavam o MST e a reforma agrária. Isso acontecia pelo fato de que, ao dividir um latifúndio em 7 assentamentos pela região, o processo de reforma agrária evitou que boa parte da população da cidade migrasse para as periferias de Curitiba, Cascavel e/ou Ponta Grossa. O combate ao latifúndio é, portanto, fundamental para que a população possa se fixar no interior, especialmente nas pequenas cidades.

A reforma agrária pode gerar um processo de desconcentração fundiária no Brasil, tal qual aconteceu em países europeus, como Alemanha, Inglaterra e França.

Por políticas de longo prazo

Quando assumiu o poder, em 2003, o então presidente Lula e os militantes do PT apontavam a herança maldita oriunda do governo FHC como justificativa para a ausência de medidas mais profundas de transformação da sociedade brasileira.

Após 10 anos no poder, podemos verificar que a “herança maldita” era apenas uma desculpa. Nesse período, verificamos uma séria de políticas parciais e de curto prazo, que não ousaram reverter os longos anos de concentração fundiária na zona rural e de concentração populacional nos grandes centros urbanos.

O recente debate sobre a interiorização de profissionais médicos é mais uma dessas políticas, que visa mostrar “uma grande ideia” para um problema profundo e complexo da sociedade brasileira, que não pode ser combatido por medidas pontuais.