Palácio presidencial foi bombardeado em 11/09/1973

Palácio presidencial foi bombardeado em 11/09/1973

Depois de muitos anos (cerca de 20 anos), fiz novamente uma viagem internacional. E, desta vez, escolhi meu destino: Chile, mais precisamente Santiago, a capital. As indicações eram várias: destinos bonitos, muita história para contar e, de minha parte, muita curiosidade, especialmente por conta dos acontecimentos políticos dos últimos anos.

A expectativa era grande e a experiência foi ainda melhor: o Chile transborda história. E tem sua história preservada, a partir de políticas públicas e de apoio governamental. Diferente de várias cidades brasileiras, onde os pontos históricos estão muitas vezes abandonados ou são deixados em segundo plano em qualquer roteiro turístico.

A visita ao Chile trouxe especialmente duas reflexões à tona: porque os chilenos construíram, em condições semelhantes, uma política de memória tão diferente da que temos no Brasil? Quais são os ensinamentos que o golpe do Chile, que no próximo dia 11 de setembro completa 40 anos, ainda nos traz?

Política de memória

Gostaria de destacar dois locais que merecem atenção: Museu da Solidariedade Salvador Allende e Museu da Memória e dos Direitos Humanos.

O primeiro deles foi erguido ainda no governo de Allende, mais precisamente em 1972. Naquele momento, o governo da Unidade Popular vivia um período de boicotes, internos e externos. Para se contrapor a isso, o governo lançou a ideia de um museu, que contasse com obras de artistas de renome internacional que apoiassem as ideias e práticas do governo da Unidade Popular.

Para esta empreitada, um brasileiro foi fundamental: Mario Pedrosa, crítico de arte, curador da Bienal de São Paulo (1953) e ativo militante político, exilado no Chile devido a ditadura civil-militar brasileira. Pedrosa, que havia sido o único sul-americano presente na fundação da IV Internacional de Leon Trotsky, era um entusiasta das intenções socialistas do governo da Unidade Popular (UP).

A iniciativa do Museu da Solidariedade teve grande sucesso. Artistas como Picasso, Miró e Alexandre Calder contribuíram com obras para o museu. Depois do golpe de 11 de setembro de 1973, o museu passou a se chamar Museu da Resistência Salvador Allende e, após a reabertura política dos anos 1990, ganhou o nome de Museu da Solidariedade Salvador Allende.

O museu é impressionante. Na sala de entrada, toda essa história descrita acima é relembrada, através de painéis e fotos da época. Depois, há várias salas com exposição dos quadros dos artistas descritos acima, além de outros. Também nas salas há painéis com os debates sobre arte que existiam na época. Infelizmente, vários quadros foram surrupiados pelos militares liderados por Pinochet. Por conta disso, a parte de cima do museu traz releituras das obras roubadas, pintadas por estudantes das universidades chilenas.

A política de memória também está presente no Museu da Memória e dos Direitos Humanos, inaugurado em 2010. O museu tem 4 andares, sendo que um deles é dedicado ao dia 11 de setembro de 1973, data do golpe militar que matou Salvador Allende e milhares de chilenos anônimos. Todo o museu deixa de “boca aberta” qualquer brasileiro com um mínimo ideário progressista. O fato de nada no Brasil se comparar a tal museu aumenta a sensação de espanto.

No andar térreo, há um levantamento de todas as comissões da verdade que já existiram nos últimos anos. Algumas se destacam, pela sua inoperância e outras pelo resgate verdadeiro da história daqueles países. No Chile, já foram formadas três comissões da verdade, que produziram longos relatórios sobre as torturas, as prisões, os desaparecimentos. Aqui a comparação vem de novo: enquanto no Brasil estamos com uma comissão “mais ou menos”, lá já se foram três…

No andar sobre o golpe, há vídeos, entrevistas, cartazes, fotos, enfim, um leque amplo de elementos que fazem com que os tempos de horror no Chile nunca sejam esquecidos. E não há superficialidade: há um vídeo que mostra quais eram as técnicas dos torturadores na época.

O que impressiona é quem implementou tal política de memória. No Chile, após a reabertura democrática dos anos 1990, como bem mostrou o filme NO, chega ao poder a coalização Concertación, que agrega antigos opositores ao regime militar mas que mantém a política econômica do período Pinochet. Não foram governos de ruptura com a ordem vigente ou de enfrentamento às instituições. No Brasil, o governo formado por “antigos opositores da ditadura civil-militar que mantém a política econômica dos governos anteriores” não tem política de memória nem próxima da chilena.

40 anos do golpe

O governo da Unidade Popular (1970-1973) ainda é pouco conhecido para além das fronteiras chilenas. Aprendemos no colégio, de maneira genérica, que o Chile passou por uma ditadura. Mas muito pouco é falado sobre o governo de Allende, seus avanços e seus limites. Por ser um tema relativamente recente, ele fica num limbo entre as aulas de Geografia, História e Sociologia no Ensino Médio, não sendo devidamente abordado em nenhuma delas.

Tive a sorte de, ao entrar na UFPR, em 2003, como estudante de Ciências Sociais, participar de um evento, organizado especialmente pelo professor Sérgio Braga do Depto. de Ciências Sociais, sobre os 30 anos do golpe do Chile. O evento, chamado “Um Outro 11 de Setembro”, reuniu videos e debates acerca do tema. Esse evento gerou uma séria de dúvidas, de questões, principalmente ao exibir o então quase inédito “Batalha do Chile”, filme do cineasta Patrício Guzmann que mostra com detalhes o período de governo da UP.

Depois, na militância no PSOL, tive contato com outros camaradas que viveram nesta época no Chile. Um deles, Ênio Buchioni, viveu com intensidade esta história. Certa vez, nos contou que o Partido Socialista (PS) e o Partido Comunista Chileno (PC) tinham, somados, cerca de 600.000 militantes (numa população de 10 milhões de chilenos). Disse ainda que estes partidos tinham jornais diários e influência sobre um canal de televisão. O depoimento de Ênio aguçou ainda mais a curiosidade sobre a experiência chilena (isso tudo, somado às mobilizações dos estudantes chilenos dos últimos anos, foi decisivo para que o Chile fosse escolhido como destino de viagem).

Por isso, neste 11 de setembro, em que a morte de Allende e do governo da Unidade Popular completam 40 anos, aproveite para conhecer um pouco mais dessa história. Tenho a certeza de que irá se fascinar!