zumbisomos_aeNesta semana, a Associação Comercial do Paraná (ACP) recorreu à justiça, pela segunda vez, contra o feriado do dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. As alegações da ACP são as mais diversas: “prejuízo” causado pelo feriado e “excesso de paralisações”, “ausência de sentido” na data e “inconstitucionalidade”. A expectativa da ACP é que o pedido de liminar seja analisado no dia 04 de novembro e, caso o pedido da ACP seja acatado, será a primeira vez que um feriado é suspenso de maneira judicial no Brasil. Mas o que está em jogo é muito mais que um dia de descanso…

O dia 20 de novembro é marcado como Dia da Consciência Negra desde a década de 1960 e lembra a data em que Zumbi dos Palmares foi assassinado, em 1695. Zumbi era um dos líderes do Quilombo dos Palmares, que era a maior comunidade de negros rebelados contra a escravidão no Brasil. O Quilombo dos Palmares foi perseguido de maneira brutal pelos portugueses e donos de fazenda, que enxergavam aquele quilombo como um “mal exemplo” a ser combatido (e exterminado).

O dia 20 de novembro é, como diz o samba de Nei Lopes e Wilson Moreira, uma data para lembrar e refletir. Uma data muito atual, visto que vivemos num país com desigualdades raciais profundas, onde um negro ocupar um cargo em alto escalão é ainda visto como surpresa e novidade, onde permanecem os “elevadores de serviço”, onde as entrevista de emprego pedem “boa aparência”, entre outros acontecimentos e fatos que evidenciam uma sociedade racista e preconceituosa.

Desde meados dos anos 1990, o 20 de novembro passou a ser feriado em vários municípios, como São Paulo e Rio de Janeiro. Ao todo, já mais de 1.000 municípios que escolheram que um feriado é a melhor forma de marcar a data. Em Curitiba, após longo processo de debates na Câmara dos Vereadores, vamos ter, em 2013, caso a Justiça não determine sua suspensão, o primeiro feriado do Dia da Consciência Negra na cidade. É claro que o ideal é que “todos os dias” sejam de reflexão acerca da questão racial e essa é a luta permanente do movimento negro brasileiro desde que este se formou. Mas o fato de necessitarmos de debate permanente não impede que tenhamos um dia para marcar a data. É assim com vários temas, como a questão feminista, da saúde, dos aposentados, dos servidores públicos, etc.

Essa data será muito importante para a cidade de Curitiba. Primeiramente, porque a população negra da cidade é invisibilizada cotidianamente, para fortalecer o mito de cidade-modelo e europeia. Assim como outros eventos, como o carnaval de rua, o feriado do dia 20 de novembro será um marco na afirmação de que há negros na cidade de Curitiba e que estes foram (e são) fundamentais para a construção cidade. É uma grande hipocrisia o argumento da ACP de que um feriado vai esvaziar o sentido da data e vai fazer com que o objetivo de reflexão se perca. A ACP, entidade patronal, formada por uma elite que nunca sofreu na pele qualquer tipo de preconceito e que se aproveita do racismo para aumentar sua lucratividade, vir a público posar de defensora da necessidade de reflexão sobre o preconceito racial é uma provocação.

Por outro lado, é preciso desfazer o mito de que o Brasil é um país repleto de feriados. Em muitos países europeus, como a Inglaterra, há menos dias de trabalho que em nosso país. No Japão, há feriado para o dia do idoso. Vale lembrar ainda que não há nada de inconstitucional em um feriado aprovado em mais de 1.000 cidades e referendado em Curitiba pela maioria da Câmara de Vereadores.

Numa cidade e num país em que há feriados para a padroeira da cidade, para os mortos e para datas históricas farsescas, só o preconceito e o racismo explicam a reação da ACP contra esta data. Como isso não pode ficar explícito, vários malabarismos retóricos são feitos, tentando parecer que racistas são os defensores do feriado. Mas, felizmente, a ACP não engana ninguém.

Desejo que tenhamos o primeiro de muitos feriados do dia 20 de novembro em Curitiba. Que seja um dia de muito debate e reflexão e também de muita festa, pois a vida e a resistência merecem ser comemoradas.