pec438No filme “Django Livre”, de Quentin Tarantino, o personagem Django realiza uma fantasia que todos e todas, pelo menos em algum momento de suas vidas, já tiveram: para se vingar dos anos de escravidão, o ex-escravo vai passando por fazendas no sul dos Estados Unidos atirando e matando donos de escravos. A partir dessa fantasia, o filme mostra como a realidade ficou muito distante, visto que, após a abolição da escravidão, os ex-donos de escravos mantiveram-se como poderosos, fazendeiros, políticos, empresários, etc.

No Brasil não foi diferente: as marcas da escravidão até são sentidas na sociedade, a partir do racismo, e aqueles que são herdeiros dos donos de escravo vivem tranquilamente, muitos deles comandando nosso país. Além disso, todos os anos os fiscais do Ministério do Trabalho (MTE) resgatam trabalhadores em situação análoga a escravidão. Entre 1995 e 2011, foram resgatados 41655 trabalhadores nesta situação. Ou seja, ainda há, no Brasil, de norte a sul, trabalho escravo, mesmo após 126 anos da Lei Áurea.

São elementos que determinam trabalho escravo: condições degradantes de trabalho (aquelas que excluem o trabalhador de sua dignidade), jornada exaustiva (que impede o trabalhador de se recuperar fisicamente e ter uma vida social – um exemplo são as mais de duas dezenas de pessoas que morreram de tanto cortar cana no interior de São Paulo nos últimos anos), cerceamento de liberdade/trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, retenção de documentos, ameaças físicas e psicológicas, espancamentos exemplares e até assassinatos) e servidão por dívida (fazer o trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele).

Apesar de todos se declararem contrários ao trabalho escravo, a prática política mostra que muitos deputados e senadores ainda se beneficiam, direta ou indiretamente, desta nefasta prática. A maior mostra disso é a dificuldade para a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 438/2001 (PEC 438/01), que tramita no Congresso Nacional há mais de 10 anos. Esta PEC prevê, entre outras medidas, o confisco de terras e imóveis dos beneficiados diretamente pelo trabalho escravo.

A PEC 438/01 foi aprovada em 1º turno, na Câmara dos Deputados e no Senado, em 2004, logo após a comoção causada pela morte de um fiscal do MTE na cidade de Unaí/MG. Após este apelo e a aprovação em 1º turno, a PEC voltou a ficar parada. Apesar dos discursos a seu favor, tinha dificuldades para tramitar, devido a má vontade dos presidentes do Congresso e das maiorias parlamentares, submissos às bancadas ruralistas. Após muita pressão popular, de todos os cantos, a PEC foi finalmente aprovada em 2º turno na Câmara dos Deputados, no dia 22 de maio de 2012, com 360 votos favoráveis, 29 contrários e ainda 25 abstenções. Depois dessa aprovação na Câmara, a PEC seguiu para o Senado, onde espera pela aprovação em 2º turno até agora.

Mas quem votaria contra uma PEC tão justa, que pune um dos crime mais perversos já vistos pela humanidade? Num primeiro momento, você pode pensar que foram deputados ligados a fazendeiros do Nordeste e Norte, local onde “as oligarquias reinam”. Mas não se engane: a bancada que mais teve deputados votando contrários à PEC do combate ao trabalho escravo foi a do Paraná, com 6 deputados contrários: Abelardo Lupion (DEM), Luiz Carlos Setim (DEM), André Zacharow (PMDB), Nelson Meurer (PP), Nelson Padovani (PSC) e Eduardo Sciarra (PSD). Proporcionalmente, a bancada do Paraná (20%) só perde para as dos estados de Tocantins e Rondônia (25%) e a de Roraima (62,5%). Além dos contrários, mais 4 deputados paranaenses se ausentaram (Dilceu Sperafico/PP, Giacobo/PR, Takayama/PSC e Alfredo Kaefer/PSDB) e dificultaram a aprovação da PEC (para aprovar uma PEC, são necessários 308 votos, independente do número de presentes). Ao todos, 1/3 da bancada de deputados federais do Paraná dificultou (votando contra ou se ausentando) a aprovação de uma PEC que mostra que o Brasil ainda caminho a passos muito lentos.

Os números mostram que a bancada de deputados federais paranaenses está entre as mais conservadoras do Brasil e que o Paraná está longe de ser o estado moderno e sem problemas sociais que é constantemente vendido ela propaganda oficial. Além disso, mostram a necessidade de construirmos uma alternativa política coerente e autêntica para nosso estado, visto que, dos 10 deputados citados acima, 6 faziam parte da aliança que elegeu Beto Richa ao governo (PSDB/DEM/PPS/PP/PRB), 2 faziam parte da aliança que apoiou Osmar Dias e elegeu Requião e Gleisi ao Senado (PT/PMDB/PR/PCdoB/PDT) e 2 deputados são do PSC, que teve uma chapa pura na eleição para deputado federal e estava na coligação de Osmar Dias para o governo do estado. Quem votou em algum candidato a deputado federal desses partidos e/ou alianças acabou por colaborar com a eleição dos deputados que não são contra o trabalho escravo.

Nas eleições de 2014, os eleitores do Paraná tem 1 tarefa muito importante: não deixar que esses 10 deputados se re-elejam, não votando neles ou nos demais deputados de sua coligação. Será importante, também, não re-eleger o senador Alvaro Dias (PSDB), que é um aliado de primeira hora da bancada ruralista no Congresso Nacional. Esse será o primeiro passo para, finalmente, a PEC 438/01 ser aprovada e o Brasil dar alguma mostra de que está saindo dos anos 1800.