parto-humanizadoParto, nascimento, bebês e policiais militares são 4 coisas que parecem não combinar, certo? Errado! Pelo menos para a Justiça Federal do Rio Grande do Sul, que autorizou que a polícia militar buscasse uma mãe em casa (e em trabalho de parto!) para levá-la até um hospital que fez o parto cesariana. O ato em si causa revolta e traz a tona, novamente, o debate sobre os métodos de parto humanizado e a resistência do complexo médico-hospitalar em aceitar o óbvio: as mulheres é que devem decidir a forma como desejam parir.

As argumentações usadas pela médica e acatadas pela juíza, acerca da necessidade de se fazer a cesárea para garantir a vida do bebê e da mãe, não tem fundamentação técnica e científica. Mostram, também, que uma determinada visão da prática médica é aceita como uma verdade universal perante o judiciário brasileiro.

Neste cenário, é fundamental que o movimento que vem se formando em torno da defesa das práticas do parto humanizado se fortaleça, para poder disputar a hegemonia da sociedade contra o modelo biomédico. É importante registrar que as práticas médicas e de saúde estão impregnadas pela sociedade na qual estão inseridas e podem ser balizadas por critérios que vão muito além da técnica, como por exemplo as influências da indústria farmacêutica e do complexo médico-hospitalar (uma poderosa indústria envolvida com laboratórios, equipamentos e demais produtos da área de saúde).

E a decisão da juíza não é apenas imoral, perigosa e anti-ética: a Constituição Federal de 1988 e a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90) estabelecem o conceito de usuário do sistema de saúde. Isso quer dizer que deixamos de ser clientes (pois os serviços de saúde passam a ser gratuitos e de acesso universal, acabando com a relação econômica que existia anteriormente) e deixamos, principalmente, de ser pacientes. A mudança não é só de denominação, visto que o conceito de usuário envolve a ideia de uma pessoa ativa, com condições de opinar sobre o próprio tratamento e de aceitá-lo ou não. Por conta disso, a decisão da juíza é, também, ilegal.

A prática do parto humanizado é um combate ao modelo hegemônico atualmente, que não é pautado pela centralidade do atendimento à mãe e ao bebê. Isso acarreta, muitas vezes, o que chamamos de violência obstétrica, pois são realizados vários procedimentos desnecessários, como o uso de sedativos, intervenções físicas, entre outros. Isso quando a mãe consegue ter acesso ao parto normal, visto que muitas vezes os médicos optam pelo parto cesárea, por um puro benefício individual, para “ganhar tempo”. O parto humanizado não é aquele sem intervenções mas sim sem intervenções desnecessárias e baseadas em práticas sem comprovação científica.

Assim como a gravidez não é uma doença, o parto não precisa ser um procedimento cirúrgico. Mas, sendo um procedimento cirúrgico, ele pode se tornar uma indústria, que movimenta muito dinheiro todos os anos. O parto humanizado, natural, não movimenta internações em UTI’s, exames em laboratório, uso de medicamentos caros. Também é preciso lembrar que o parto cesárea é realizado em um menor tempo, possibilitando que o médico atenda gestantes “em série”.

Portanto, para além da defesa ético-política do parto humanizado, é preciso enfrentar esta “economia política” da “indústria obstétrica”, com o fim do pagamento por procedimentos, combate ao lobby farmacêutico, fortalecimento das casas de parto humanizado vinculadas ao SUS, esclarecimento e conscientização das gestantes e papais, reconhecimento do papel desempenhado pelas doulas, entre outras medidas.

O inaceitável acontecimento no Rio Grande do Sul deve nos fazer refletir, para que a luta pelo parto humanizado e pela superação do modelo biomédico seja vitoriosa!

Para saber mais:

Grupo de Apoio a Maternidade Ativa

Vila Mamífera

Movimento Bem Nascer Curitiba

*Este texto foi escrito sob incentivo de muitas mulheres e homens que defendem e se solidarizam com a prática do parto humanizado. É, portanto, uma formulação coletiva.