pmdbNo dia 20 de junho, o PMDB do Paraná realizará a sua Convenção Estadual, momento em que vai decidir qual será sua posição nas eleições de 2014. Segundo (excelente) reportagem de Taiana Bubniak na Gazeta do Povo, o “maior partido do Brasil” vai decidir entre três posições: apoiar Beto Richa (PSDB) ou ter candidato próprio, que podem ser Orlando Pessuti ou Roberto Requião.

Sem o posicionamento formal do PMDB, o quadro das eleições ao governo do Paraná segue em aberto e muito indefinido, visto que o PMDB é o maior partido da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), com 13 deputados estaduais, comanda 56 prefeituras e Roberto Requião tem um potencial de votos entre 20% e 30%.

Até a data da Convenção, muita discussão ainda será feita, visto que nem o método de votação ainda está definido. Uma hipótese é que os delegados escolham entre Beto, Pessuti e Requião; outra hipótese é primeiro escolher entre apoio ou candidatura própria e depois, eventualmente, escolher o candidato. A primeira hipótese permite que um candidato possa ser escolhido com menos de 50% dos votos. Ainda chama a atenção o fato de que alguns delegados à Convenção podem ter direito a até 4 votos, visto que há filiados com direitos vitalícios e natos de voto.

As três hipóteses, como já dissemos, tem um impacto que pode ser decisivo para o processo eleitoral e também influenciam no espaço de outras candidaturas, como a do PSOL.

Se o PMDB apoiar Beto Richa, a eleição tende a se polarizar em dois grandes candidatos (Beto Richa e Gleisi Hoffmann), assim como em 2010, dificultando o debate de alternativas e proporcionando um “clima de segundo turno” desde o começo da eleição. A coligação PSDB/PMDB no Paraná faria com que apoiadores de três candidatos a presidente apoiassem Beto Richa, visto que, em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura, Richa admitiu que o PMDB do Paraná deve fazer campanha para Dilma e que o PSB de Eduardo Campos estará em sua coligação (inclusive, disse que não haviam diferenças entre Aécio e Campos).

A segunda hipótese é o PMDB indicar Orlando Pessuti como candidato a governador. Essa hipótese é provável no caso de haver uma votação pela candidatura e depois a escolha do nome, visto que provavelmente os setores favoráveis a Beto Richa depositaram seus votos em Pessuti. Essa eventual candidatura teria um peso entre 3% e 8% dos votos, o que daria como certo um segundo turno, mas sem a participação do PMDB como protagonista.

Mas é a candidatura de Roberto Requião que tem mais chance de modificar o quadro eleitoral no estado. Isso porque Requião já foi governador por 12 anos (1991-94 e 2003-2010) e é um candidato capaz de unir espectros ideológicos opostos sob seu comando. Com Requião na disputa, tanto Beto quanto Gleisi podem ficar de fora do segundo turno. Com a candidatura de Requião, partidos como PV e PPL devem declarar apoio ao PMDB, retirando suas candidaturas ao governo do cenário.

Uma figura controversa

Roberto Requião, 73 anos, é filho de um tradicional político do estado, Wallace Thadeu de Mello e Silva, que foi prefeito de Curitiba nos anos 1950. Após se formar em Direito pela UFPR, teve uma carreira política meteórica, sendo eleito deputado estadual em 1982 e prefeito de Curitiba em 1985. Passou a ser conhecido nacionalmente a partir de seu mandato de senador (1995-2002), quando foi um senador oposicionista à FHC. De 2003 a 2010, seu governo foi marcado por discursos firmes e poucas ações práticas.

Para entender o “fenômeno” Requião, é preciso ir além das aparências. É preciso, também, reconhecer que Requião soube aproveitar uma grande “janela de oportunidades”: em 2003, ao assumir o governo após 8 anos de mandato do ultra-neoliberal Jaime Lerner, Requião soube posicionar seu governo na defesa do patrimônio público e contra as privatizações. Esse posicionamento também foi fruto de um amplo movimento que ajudou a desmoralizar o governo Lerner, com a derrota da privatização da COPEL e imensas greves na educação, em 2000 e 2001. Requião foi habilidoso para cumprir algumas demandas desse movimento, evitando que ele continuasse se organizando. Em vários postos do governo, escolheu quadros técnicos qualificados e com trajetórias ligadas a movimentos sociais.

Ao mesmo tempo que dialogava (ou será cooptava?) com movimentos sociais, Requião nomeou nomes ligados a tradicionais oligarquias e setores empresariais para cargos importantes do governo. Na Casa Civil, indicou Rafael Iatauro (membros de governos do Paraná desde a ditadura militar); para a presidência do Detran, indicou Marcelo Almeida (filho de Cecílio do Rego Almeida, dono da poderosa empreiteira C.R. Almeida); para a presidência da Assembleia Legislativa, articulou o nome de Hermas Brandão, do PSDB.

Apesar de ter feito um belo discurso sobre as manifestações de junho de 2013 na tribuna do senado, a atuação prática de seu governo nada tem a ver com a demanda de participação e democracia trazida pelos milhares de jovens e trabalhadores que foram às ruas. Em diversos momentos, Requião atacou seus oponentes, sejam os seus opositores conservadores, sejam movimentos reivindicatórios de trabalhadores, chegando a ameaçar um deles com “cacete e cadeia”. Durante seu mandato, dois dirigentes de faculdades estaduais eleitos por voto direto, na EMBAP e na FAFIPAR, foram vetados pelo governador.

A (não) disposição de Requião para o efetivo diálogo com aqueles que discordam de  sua postura e/ou reivindicam direitos mostra que, desde ponto de vista, seu governo não tem diferenças com o período Lerner. Apesar de haver diferenças, importantes, na defesa do papel do Estado, de políticas públicas, das cotas raciais, da reforma agrária, entre os principais membros do governo Lerner e do governo Requião, o procedimento desses governos é o mesmo: portas abertas para os que te apoiam e repressão àqueles que se opõem.

Mas mesmo nas áreas em que Requião se diferenciava de Lerner, muitas de suas políticas não tiveram lastro e ficaram muito ligadas a seu governo, não se tornando uma política de estado, permanente. O re-equipamento da TV Educativa, por exemplo, não veio acompanhado de concurso público, o que permitiu o desmonte dela no atual governo de Beto Richa. Na educação superior, o orçamento não se tornou independente da vontade de governo (por exemplo, com uma vinculação em relação a impostos), o que permite o atual sucateamento delas. Na reforma agrária, Requião evitou reintegrações de posse e violência contra o MST (que havia sido muito grande no governo Lerner, com vários militantes mortos), mas poucas desapropriações avançaram.

Há, ainda, uma série de medidas de seu governo e de sua trajetória que foram, no mínimo, controversas. Na saúde, Requião não investiu o mínimo constitucional na área e colocou gastos com saneamento básico, faculdades de educação física e quadras de esportes como gastos em saúde (o que já era proibido pelo Conselho Nacional de Saúde e que agora é proibido por lei). Ainda nesta área, o governo de Requião construiu e terceirizou o Centro Hospitalar da Reabilitação, atualmente gerido por uma ONG. Sob o governo de Requião, o estado do Paraná foi um dos que entrou com uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra a Lei do Piso Salarial Profissional Nacional dos professores, corroborando um discurso conservador contra esta medida, que era um reivindicação história do movimento dos educadores. Na área ambiental, Requião manteve a construção da Usina Hidrelétrica de Mauá, sem respeito às comunidades tradicionais locais, sem garantia de indenizações e realocação completa das comunidades e com problemas graves na construção propriamente dita, incluindo uma rachadura no “paredão” de represamento da água.

Em 2006, na hora de construir sua chapa para a reeleição, Requião buscou uma aliança com o PSDB (propondo o nome de Hermas Brandão para vice). Por conta disso, passou todo o primeiro turno fazendo jogo duplo entre Alckmin e Lula e só assumiu a candidatura petista no segundo turno. A aliança estadual acabou sendo vetada pelos tucanos na via judicial.

A necessidade da construção de uma alternativa

Como tentamos evidenciar acima, há uma necessidade urgente no Paraná: a construção de uma alternativa política de esquerda ao “requianismo”, que se disponha a ir além de pequenos avanços pontuais e esporádicos em algumas áreas. Há, também, que se ter a disposição e a clareza de que política de esquerda se faz de maneira coletiva, sem caciques e sem coronéis.

Esse desafio é ainda maior para o PSOL e para a esquerda porque não há quase o que se resgatar nessa área, visto que, ao longo de sua trajetória, a maior parte da direção do PT abdicou de fazer esta construção e optou por ser uma “ala esquerda” do projeto requianista (hoje nem tão “ala esquerda” assim). Após entrar em conflito com Requião, hoje o PT busca outros grupos oligárquicos do Paraná para sua composição, como a família Barros e Belinatti.

E o PSOL não deve ter medo de uma eventual candidatura de Requião. Temos que ter a certeza da importância de nossa candidatura e da tarefa que está colocada. Não será possível dialogar e construir com a juventude que tem ido as ruas com práticas coronelistas. Devemos afirmar nosso projeto coletivo, mostrando que o PMDB de Requião é o mesmo de Katia Abreu, Renan Calheiros, Sarney, Paes e Sérgio Cabral. E que o PMDB do Paraná é presidido por Osmar Serraglio, relator da PEC que pode acabar com a demarcação de terras indígenas. Nosso projeto não pode ser realizado em composição com setores oligárquicos.

A história já nos mostrou que verdadeiras transformações sociais não combinam com personalismos ou em aliança com setores sociais contrários a essas transformações. Não é possível construir verdadeiras mudanças com aqueles que se beneficiam do atual sistema político e econômico. Por isso, nosso desafio permanece: construir uma aliança com a juventude, os trabalhadores e o povo pobre, essa sim capaz de construir mudanças sociais efetivas.

Convidamos a todos e todas para construírem conosco essa campanha, para que sejamos capaz de furar o “bloqueio” que faz parecer que existem apenas 3 candidatos no estado.