Thalles no EsquentaTenho vontade de escrever, já há algum tempo, sobre o programa Esquenta, apresentado pela Regina Casé aos domingos, na Rede Globo. Essa vontade quase gerou um texto quando o programa fez menção ao Dia da Consciência Negra, em novembro de 2013. Ao ler o excelente artigo do amigo e camarada João Telésforo, do PSOL/DF, resolvi concretizar esta antiga vontade.

O Esquenta surgiu como um “programa de verão”, em janeiro de 2011. Na sua primeira edição (02/01/2011), realizou uma entrevista com Lula, que havia acabado de entregar a faixa presidencial para Dilma. Em se tratando de um programa da Rede Globo, a entrevista foi muito significativa de qual público o programa gostaria de atingir.

De lá pra cá, o programa se consolidou, deixando de ser apenas um programa sazonal. E, ao longo desses anos, a linha editorial do programa vem retomando uma construção política e ideológica que já havia sido forte em outros momentos. Em linhas gerais, Regina Casé e seus convidados procuram dar visibilidade a parcela mais empobrecida da população brasileira, normalmente escanteada dos programas de TV, especialmente nos da emissora de maior audiência em todo o Brasil.

Essa linha editorial certamente gera descontentamento de setores reacionários e conservadores da sociedade brasileira. Exemplo disso é o artigo da deputada estadual Cidinha Campos (PDT/RJ) n’O Globo em 04/05/2014. Para aqueles que não admitem que há vida, inteligência e manifestações culturais fora do ambiente da “alta sociedade”, um programa como um Esquenta é inaceitável.

Mas gostaria de problematizar sobre até que ponto essa linha editorial contribui para superar os problemas levantados (racismo, pobreza, violência, entre outros). Também é preciso mostrar que o programa Esquenta não é uma inovação do ponto de vista de sua linha editorial (como já colocado acima).

Em 1933, quando Gilberto Freyre escreveu “Casa Grande & Senzala”, o livro causou polêmica na sociedade de então. Para uma sociedade que descartava o negro e considerava a miscigenação uma ameaça para a “qualidade da raça branca”, a defesa de que essa miscigenação era o que fortalecia o “povo brasileiro” foi, de certa forma, uma quebra de paradigma. Mas foi essa mesma defesa, da democracia racial, que impediu que o Brasil tivesse, por muitos anos, políticas afirmativas que buscassem uma verdadeira igualdade entre todos e todas no Brasil. Só a partir da luta do movimento negro que este paradigma foi questionado e hoje as políticas afirmativas ainda caminham a passos curtos.

Nos anos 1970, Gilberto Gil lançou, no álbum Refavela, música de mesmo nome, que traz uma exaltação da vida nas favelas brasileiras. Era o lançamento da ideia de que “favela é lindo”. Esse discurso é facilmente aceito pela classe média e pela “alta sociedade”, visto que quando afirmamos que “favela é lindo”, estamos pressupondo que as favelas vão sempre existir e que não estamos preocupados em melhorar efetivamente a condição de vida dessas pessoas.

Pois bem, o programa Esquenta parece tentar uma síntese entre essas duas perspectivas (que, por sinal, nunca foram contraditórias). O auge disso foi o programa sobre o Dia da Consciência Negra de 2013 (já citado acima): ao invés de publicizar as demandas dos movimentos negros e/ou o absurdo da proibição do feriado pela justiça em várias cidades, o programa apenas reproduziu a ideia de que os negros e negras são aquela parcela da população que “canta e dança”.

A contradição é que este foi, provavelmente, o único programa na TV aberta brasileira que se dedicou integralmente ao 20 de novembro (Dia da Consciência Negra). Incrivelmente, o programa acaba sendo, do ponto de vista da totalidade da TV brasileira, algo com viés progressista, muito diferente de outros programas que tentam dialogar com as classes trabalhadoras, como Pânico, do Rodrigo Faro, entre outros.

Isso tudo mostra que uma verdadeira representação das classes trabalhadoras na TV brasileira só será possível com uma democratização da mídia, para que os setores oprimidos e invisibilizados tenham voz de verdade, sem precisa de “interlocutores”.