desmilitarizaA desmilitarização do aparato policial brasileiro vem sendo discutida desde 1985, quando se encerrou oficialmente o período de governos militares no Brasil. De lá pra cá, a permanência de uma polícia militar tem sido apontada como um dos elementos que mostram continuidade do período ditatorial para o período democrático.

Em todos esses anos, a desmilitarização foi lembrada nos chamados “momentos de crise”, a partir de algumas ações desastrosas das polícias. Passados esses momentos, a desmilitarização voltava a ser uma pauta pouco lembrada. Nas eleições, mesmo com o tema da segurança pública sendo sempre debatido, a desmilitarização passava longe do debate, com exceção de alguns poucos momentos (nos processos eleitorais, o que mais temos visto é a defesa da “não-militarização de guardas municipais).

Mas os problemas advindos da militarização continuaram, não só nos momentos de crise. Os dados dos mapas da violência no Brasil mostram que temos uma das polícias que mais mata e morre no mundo e isso é amparado por uma legislação que premia punição e não garante direitos.

Em 2013, esse assunto ganhou novamente bastante relevância a partir da atuação truculenta da PM nas manifestações que reuniram milhares de pessoas Brasil afora. E, diferente de outros momentos, o debate prosseguiu, com a criação de comitês em defesa da desmilitarização, com a apresentação de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) no Congresso Nacional e com a incorporação desse tema por movimentos sociais.

Esse é mais um dos temas que, após os protestos de junho de 2013, saiu do campo da utopia e passou ao campo da possibilidade. Mesmo os que não concordam com a desmilitarização, agora a enxergam como algo possível.

Neste cenário, é fundamental que as candidaturas do PSOL pautem este tema no processo eleitoral que se aproxima. Apesar de ser uma questão de competência federal, entendo que os estados e o Distrito Federal, por controlarem as polícias militares, podem ter “medidas desmilitarizantes”, que poderiam servir como uma transição para uma desmilitarização completa.

Entendo que essa transição pode começar com 5 pontos:

1) Novo código de ética para as polícias:

Atualmente, o que baliza a ação cotidiana dos policiais é o Regime Disciplinar do Exército (RDE), que permanece desde a época da ditadura de 1964. O RDE impõe uma “disciplina de guerra” e acaba por levar que a corporação enxergue a população como a “inimiga interna” a ser combatida e institui uma logica de “guerra permanente”.

Há também interferência do RDE em situações que até parecem cômicas. Até recentemente, era proibido o uso de guarda-chuva para os militares usando farda, visto que o uniforme “resistia ao tempo”.

É possível construir um novo código de ética, que coloque a população como aquela que deve ser defendida pela polícia.

2) Separação entre Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros:

Essa medida visa distinguir as ações da Polícia e do Corpo de Bombeiros, que hoje estão, na maioria dos estados, sob o mesmo comando. Isso faz com que os trabalhadores bombeiros tenham o mesmo regime disciplinar e hierárquico da PM. Se isso já é antiquado para a Polícia, imagine para os bombeiros.

Mas essa medida não pode significar o fortalecimento das castas superiores do Corpo de Bombeiros. Deve, portanto, ser combinada com uma democratização do órgão.

3) Regulamentação da jornada de trabalho:

No Paraná, a média de jornada de trabalho é de 60h semanais para bombeiros e 50h semanais para policiais. Além da extensa jornada, não há garantia de horas-extras ou outros benefícios que o trabalhador comum recebe. O comando considera que esses trabalhadores estão “a disposição do estado” e por isso podem ser chamados ao serviço a qualquer momento.

É urgente que haja uma regulamentação das jornadas de trabalho, com a consequente diminuição das cargas horárias. Além disso, é preciso haver uma recomposição salarial, para que o “bico” não seja incentivado.

Em Minas Gerais, a jornada de trabalho foi regulamentada em 40h semanais e há um projeto de lei na Câmara dos Deputados que prevê a jornada de 30h semanais, semelhante a dos profissionais de saúde. Entendo que o PSOL deve incorporar ao seu programa esta bandeira.

4) Carreira única:

Hoje é possível entrar na área militar como praça (Cabo, Soldado ou Sargento) ou oficial (demais cargos, de maior patente) e não é possível, sem ser por um novo concurso, “subir” de praça para oficial.

Essa divisão serve para criar um regime de medo permanente dentro da corporação e uma casta de funcionários que acabam apenas por exercer “posições de comando” e serviços administrativos.

5) Controle externo e civil:

Sabe quem julga um policial quando este é acusado de cometer um abuso? Um superior da mesma corporação, a partir de procedimentos internos e nada transparentes. Além disso, os crimes cometidos por militares só podem ser julgados por Tribunais Militares.

Por conta disso, é urgente construir ouvidorias e mecanismos de controle externo e civil, similar ao que, depois de muitos e muitos anos, foi implementado, ainda que timidamente, no Poder Judiciário.

Um debate para além da disputa civis x militares

Com esses pontos, acredito que seja possível mostrar que o debate da desmilitarização não pode ser, nunca, feito na perspectiva de uma disputa entre civis e militares. Há setores civis que se beneficiam com a desmilitarização, assim como militares. E há aqueles setores (os oficiais no âmbito dos militares e os poderosos no âmbito dos civis) que vão ser prejudicados. Para evitar essa falta contradição, o papel de um partido como o PSOL é fundamental.

Com essa plataforma acima, entendo que os candidatos do PSOL estarão contribuindo para o debate acerca dos reais desafios da segurança pública, ajudando a acumular para o debate sobre a desmilitarização.