grafico-greciaUm país com uma história incrível, “berço da civilização”, que nos anos 1960 passou por uma ditadura militar e que foi invadido pelos nazistas na II Guerra Mundial. Um país que pouco conhecemos da história recente. Essa é a Grécia.

E, diferente de outros momentos, as eleições ocorridas na Grécia neste último domingo, 25 de janeiro, chamaram a atenção de todo o mundo. E no Brasil não poderia ser diferente. Isso porque uma coalização/coligação de esquerda (chamada por alguns de “esquerda radical” ou de “extrema-esquerda”), o Syriza, foi vencedora. E essa vitória certamente terá muitos significados e consequências, mesmo para quem está há milhares de quilômetros de distância. Mas antes de debater isso, gostaria de explicar um pouco como funciona o sistema eleitoral grego e falar sobre a conjuntura que o país vive.

Na Grécia, o sistema de governo é parlamentarista. Isso quer dizer que a população vota em partidos (ou coalizações de partidos) e esses escolhem o primeiro-ministro (que é o cargo mais importante) e o presidente.

E isso só é possível se o partido que sai vencedor das eleições conseguir formar, em até 15 dias, uma coalização capaz de conquistar 151 votos dos parlamentares (de um total de 300). Se isso não for possível, essa tarefa passa para o segundo colocado, que tem 3 dias para a “missão”. Caso também não dê certo, a tarefa vai para o terceiro lugar e assim sucessivamente. Não chegando a um acordo de governo, o presidente anterior tem que dissolver o parlamento e  convocar novas eleições.

Para facilitar a “formação de maiorias”, o partido que recebe o maior número de votos “ganha” mais 50 parlamentares; por isso, apenas 250 das 300 vagas do parlamento são divididas proporcionalmente entre os partidos que superaram a cláusula de barreira de 3%. E essa cláusula tem um impacto importante: dos 22 partidos gregos, apenas 7 elegeram parlamentares nestas eleições de janeiro de 2015; sem a cláusula, seriam 13 partidos a eleger deputados.

E, como na maioria das “democracias ocidentais”, a política na Grécia estava polarizada, desde os anos 1980, entre dois partidos com discursos diferentes e práticas parecidas. No caso grego, o PASOK (partido socialista, uma espécie de PT local) e o Nova Democracia (uma espécie de PSDB local). Foi a crise dos últimos anos que fez surgir uma polarização política maior naquela sociedade, aumentando a votação do Syriza (comparável com o PSOL brasileiro), do KKE (Partido Comunista Grego, com proximidades com o PCB) e também dos neonazistas do Aurora Dourada (que defendem campos de trabalho para imigrantes e cercamento do país). Nessas eleições, também elegeram parlamentares o To Potami (centro) e o Gregos Independentes (racha da Nova Democracia, de centro, mas defensor de políticas anti-austeridade).

E essa crise na Grécia é de grandes proporções: de 2009 para cá, foram sucessivos governos com políticas de retiradas de direitos trabalhistas e sociais, aumento de impostos e curvados aos mandos da Troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia). O resultado foi: aumento do número de suicídios (mais de 6000 de 2009 a 2012), quase 50% de desemprego entre jovens, pessoas morrendo congeladas porque não tem dinheiro para pagar o gás que aqueceria suas casas, entre outros exemplos.

Apesar de toda essa situação, os tradicionais PASOK e Nova Democracia continuaram defendendo as mesmas políticas de austeridade e ditadas pela Troika. Por outro lado, os trabalhadores e a juventude fizeram sucessivos levantes populares, greves gerais e gigantescas mobilizações nestes anos. A consequência foi o crescimento do Syriza (e também do KKE e de outros partidos de esquerda, como o Antarsya) e também, em menor escalda, dos neonazistas.

Em 2012, uma campanha internacional de mídia capitaneada por Angela Merkel (premiê da Alemanha) e pelos defensores dos interesses da Troika jogou o medo entre os gregos. Se o Syriza ganhasse, o caos chegaria na Grécia, era o que diziam os jornais. A estratégia funcionou: por muito pouco, o Syriza ficou atrás do Nova Democracia e não teve a oportunidade de tentar formar governo.

Mas o verdadeiro caos, das políticas de austeridade, continuou. Sem conseguir manter o governo, a coalização comandada pelo Nova Democracia acabou tendo que chamar novas eleições.

As eleições de 25 de janeiro foram quase perfeitas para o Syriza. O quase ocorre porque o partido conquistou 149 cadeiras no parlamento, faltando apenas 2 para ter maioria absoluta. Por conta disso, terá que contar com a ajuda de outro partido para formar o governo. Por conta de diferenças que são pouco claras para quem está há tantos quilômetros de distância, o KKE (que elegeu 15 parlamentares) se negou a formar um governo com o Syriza. Então, para evitar que novas eleições fossem chamadas, o partido liderado por Alexis Tsipras fez um acordo com os Gregos Independentes e o governo será formado.

Na prática, esse acordo garante apenas o início do governo. É muito provável que, em medidas e projetos concretos do governo, o KKE seja muito mais aliado do que os Gregos Independentes.

O significado dessa vitória ainda está em disputa. Pela primeira vez, depois de muitos anos, um partido de esquerda se elege para governar um país europeu, com um programa que traz o combate a austeridade, o aumento do salário mínimo e retomada de direitos sociais e trabalhistas, entre outros pontos. No Brasil, a mídia tem se esforçado para esvaziar esse significado: de “esquerda radical” ou “extrema-esquerda”, o Syriza passou a ser chamado de “esquerda”; de “centro”, os Gregos Independentes passaram a ser chamados de “direita”. Tudo para mostrar que o que está acontecendo na Grécia é apenas “mais do mesmo”.

É claro que o Syriza tem seus problemas e contradições. É uma coalização ampla, de 13 partidos, fundada em 2004, que agrega vários segmentos de esquerda, como maoístas, trotskystas, comunistas e ambientalistas. Sofrerá muita pressão externa e interna e será a continuidade das mobilizações de rua que determinará a possibilidade do Syriza cumprir aquilo que está em seu programa. Mas a sua vitória tem sim que ser comemorada.

É a primeira vez, repito, em muitos anos, que um partido de esquerda chega ao poder. Não foi um líder carismático, um militar com ideias progressistas, um partido trabalhista com minoria parlamentar. Foi um partido, de esquerda, com quase maioria parlamentar absoluta. Apesar do distanciamento inicial entre Syriza e KKE, há boas possibilidade de, na sequência do governo, as medidas anti-Troika serem apoiada pelos comunistas.

Sobre a questão de programa, o que me parece, olhando de longe, é que a postura do KKE é “maximalista”. Ou seja, quer aplicar tudo ao mesmo tempo, sem uma política de transição. E, em alguns casos, isso pode trazer mais malefícios do que benefícios. Foi o que me alertaram dois amigos portugueses, militantes do Bloco de Esquerda (“partido-irmão” do PSOL), sobre a questão da manutenção ou não do Euro. Por mais que eles afirmem que a entrada no Euro prejudicou as economias mais periféricas da Europa (por conta dos efeitos da conversão da moeda), eles mesmo dizem que a ruptura com essa moeda não é garantia de melhoras. Isso porque, por exemplo, quem tem hoje uma dívida (de uma casa, de um carro, etc) em Euros vai passar a ter ela em outra moeda, cuja conversão (do Euro pra essa moeda) não vai ser controlada pelo governo grego.

O que me parece é que, independente da mudança ou não de moeda, o fundamental é a prática política: auditoria e suspensão do pagamento da dívida, aumento do salário mínimo, reversão das privatizações, etc.

Por último, vale lembrar que a Europa é um continente que tem quase o mesmo tamanho que o território brasileiro e a Grécia é um país com quase 10 milhões de eleitores (a mesma quantidade que a cidade de São Paulo). A solidariedade internacional, especialmente através da eleições de governos semelhantes em outros países, será fundamental.

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