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Foto: Joka Madruga

Por Bernardo Pilotto* e Tábata Gomes**

No dia 05 de outubro de 2014, após vencer as eleições no primeiro turno, Beto Richa declarou à imprensa que o “melhor estava por vir”. De acordo com ele, depois de 4 anos arrumando as finanças do Estado por conta de uma “herança maldita”, o segundo mandato seria caracterizado por mais investimentos do poder público e pelo cumprimento das promessas realizadas durante a campanha.

Mas essa era apenas mais uma mentira de Beto Richa. De lá pra cá, o que temos visto é o uso de uma suposta “quebradeira” das finanças do estado para justificar a aplicação de políticas neoliberais como aumento de impostos, retirada de direitos e destruição dos serviços públicos. E, mostrando que o corte orçamentário é seletivo, os ajustes são feitos apenas para os “de baixo”. No mesmo momento que discute-se a crise fiscal do Estado, foi aprovada a concessão de auxílio-moradia em diversos órgãos.

No caso desse auxílio-moradia, é importante registrar que o valor concedido é mais alto do que a maior parte dos salários dos trabalhadores(as) do serviço público estadual que se encontram em greve. É também fruto da troca de favores entre Poder Executivo (chefiado pelo governador), Poder Legislativo (do qual o Tribunal de Contas do Estado faz parte) e Poder Judiciário (do qual o Tribunal de Justiça faz parte). Vale ainda dizer que os orçamentos do TCE e TJ, que são independentes, foram superavitários nos últimos anos e há indícios que a concessão desse privilégio foi para evitar argumentos de que este dinheiro pudesse ser devolvido ao Poder Executivo para ajudar no saneamento das finanças. Por outro lado, servidores do TJ reclamam da precarização das condições de trabalho, com cortes de funcionários e ausência de materiais básicos.

Eleito em primeiro turno e com uma base parlamentar ainda maior que no primeiro mandato, Beto Richa se sentiu soberano para aplicar medidas extremas que, se aprovadas, significariam a destruição de todo o aparato público do estado do Paraná. E para facilitar ainda mais o trabalho de Richa, sua oposição dentro da ALEP é sempre colocada em contradição, visto que a maior parte das medidas dos “pacotes de maldade” apresentadas pelo governador tucano já foram aplicadas pelo governo federal ou por governos estaduais petistas.

O primeiro teste das “medidas extremas” foi um pacote enviado à Assembleia Legislativa (ALEP) em dezembro de 2014 e aprovado pelo método conhecido como tratoraço (os projetos não precisam passar pelas comissões e são votadas diretamente no plenário, podendo ser aprovados de um dia para o outro). Neste pacote estavam previstas a taxação de inativos (cobrança para aqueles servidores estaduais que já estavam aposentados), aumento de 40% no IPVA, restrição do orçamento da Defensoria Pública, aumento do  ICMS dos combustíveis e reajuste das custas judiciais. Apesar do protesto organizado pelo FES (fórum que reúne os sindicatos de servidores estaduais do Paraná) e de galerias da ALEP lotadas durante a votação, o projeto foi aprovado sem maiores crises.

No início do segundo mandato, Richa aplica novas medidas de austeridade em conjunto com uma série de calotes: suspensão das verbas de custeio de universidades e escolas estaduais, demissão de cerca de 30.000 funcionários contratados temporariamente pelo PSS (Processo Seletivo Simplificado), calote no adicional de ⅓ de férias dos servidores, nas diárias de bombeiros e policiais militares que estavam trabalhando na Operação Verão e na indenização pela rescisão de contrato dos professores temporários, entre outras medidas.

Neste cenário, várias categorias já se mobilizavam para garantir suas condições mínimas de trabalho. Em 03 de fevereiro, professores e funcionários de escola fizeram protestos em todo o Estado, cobrando a recontratação do pessoal PSS e o pagamento dos direitos já adquiridos; em 06 de fevereiro, um ato organizado por estudantes do Colégio Estadual do Paraná mostrou que a luta estava sendo de forma conjunta; já no dia 07 de fevereiro, bombeiros realizaram uma manifestação em Guaratuba. Essas manifestações foram sempre muito bem recebidas pela população, que buzinava e acenava apoiando os movimentos.

Ao passo em que o movimento de resistência dos servidores(as) públicos começava a se organizar, o governo apresentou um novo pacote à ALEP para votação até o dia 10 de fevereiro. O pacote previa a destinação de R$8 bilhões da ParanáPrevidência para uso do Estado, corte nos quinquênios e outros direitos, criação de uma previdência complementar, corte nas possibilidades de licença e retrocessos no plano de carreira dos educadores.

Neste cenário, os sindicatos de servidores(as) estaduais se reuniram e deliberaram por uma greve geral. Desde então, muitas categorias realizaram assembleias lotadas e deflagraram greve. Na maior delas, foram mais de 10.000 professores e funcionários de escola na assembleia da APP-Sindicato no dia 07 de fevereiro, em Guarapuava.

No dia 09 de fevereiro, um acampamento montado na frente da ALEP, no Centro Cívico, em Curitiba, já mostrava a força do movimento. Na terça, data prevista para a votação do pacotaço, mais de 30.000 trabalhadores(as) de todo o Paraná estavam em frente a ALEP. O governo do estado e sua bancada se negavam a qualquer diálogo e encaminharam a votação do mesmo jeito. A resposta dos trabalhadores foi na mesma medida: ocuparam o plenário da ALEP, numa movimentação conjunta entre os que estavam nas galerias e os que estavam do lado de fora. Com isso, a votação foi adiada.

Mas o governo continuou se sentido soberano. Na quarta, uma sessão foi realizada no restaurante da ALEP. Na quinta, diante do piquete realizado nos 9 portões que dão acesso à Assembleia, os deputados da base de apoio de Beto Richa entraram para a ALEP através de um camburão e de um corte na grade, numa operação digna do Oscar. Mas os trabalhadores não se deram por vencidos, ocupando novamente a ALEP, derrubando as barreiras policiais e forçando o governo a retirar o pacote de tramitação.

A grande quantidade de pessoas, somada a organização do movimento e a um trabalho junto aos policiais que estavam de plantão, garantiu que a repressão não fosse a tônica das notícias. Infelizmente, o regime disciplinar a que estão submetidos impede que eles tenham uma ação reivindicatória, ainda que concordem com as pautas levantadas pela greve dos servidores.  Mesmo assim, tivemos feridos, especialmente nos protestos de 12 de fevereiro, além de 1 pessoa presa e outras que estão com medo de perseguição por parte da cúpula policial. Prestamos total solidariedade a essas pessoas e nos colocamos a disposição, do ponto de vista político e jurídico, para apoiá-las.

Foi uma vitória como há muito tempo não víamos. Exemplo para todo o Brasil, visto que projetos parecidos com os de Beto Richa são aplicados por vários governos estaduais, municipais e também por Dilma Roussef. Uma vitória que mostrou que o povo organizado é mais forte do que qualquer base aliada parlamentar.

E o mais importante: a vitória na retirada do pacotaço incentivou que os trabalhadores e estudantes se mantivessem em luta, acreditando que é possível vencer em outros pontos de suas pautas. A greve se manteve ativa, com a ocupação de Reitorias, Núcleos Regionais de Educação, trancamento de rodoviais e abertura de pedágios por todo o Paraná. Junto a isso, protestos em casa de deputados estaduais e nas Câmaras Municipais de suas bases.

Entendemos que este movimento vem sendo gestado há algum tempo, pelo trabalho dos sindicatos e associações e pela crescente rejeição ao método adotado pelo governo de Beto Richa e sua base de apoio. Além disso, reflete o momento que vivemos no Brasil desde junho de 2013, quando a opção pela luta direta, nas ruas, ganhou força na consciência de milhões de brasileiros.

As demonstrações de apoio ao movimento grevista por parte das esposas de policiais militares, civis e bombeiros tem sido episódio à parte em todo este processo de ascenso de lutas. Como não víamos há anos, começa a crescer uma mobilização nas forças militares, de reivindicação de direitos salariais e trabalhistas e solidariedade com os demais trabalhadores(as), na qual, vem ganhando força a defesa da desmilitarização da polícia.

Até agora, as greves e ocupações serviram para frear, ainda que momentaneamente, os projetos de austeridade de Beto Richa. Sim, esta mesma austeridade que tanto mal causou na Europa e que começa a ser fortemente questionada por lá, especialmente na Grécia e na Espanha.

Serviram, também, para mostrar que Beto Richa e sua base aliada (no Legislativo e no Judiciário) “podem muito, mas não podem tudo”. Um governo que parecia invencível agora se encontra encurralado, com um governador que não tem nem coragem de aparecer em público.

Diante desta conjuntura, entendemos que devemos continuar incentivando as mobilizações das diversas categorias por seus direitos e reivindicações. No momento, apenas a greve dos professores(as) e funcionários(as) de escola tem avançado nas negociações, porém, o ponto sensível que não pode ser esquecido por todos os servidores(as) em sua pauta de reivindicações é a previdência.  As demais greves, de trabalhadores(as) do DETRAN, da Defensoria Pública e das Universidades, seguem firmes e longe de terem suas reivindicações atendidas.

Não confiamos nas promessas de Beto Richa – este é o sentimento compartilhado entre os trabalhadores(as) em relação à previdência e aos demais direitos colocados em xeque. Para garantir que seja dado um ponto final nas intenções de Richa em pôr as mãos nos 8 bilhões da previdência, é preciso que este debate seja travado com os servidores(as) mobilizados, ainda em greve, no embalo da força que o movimento tem hoje com a adesão das demais categorias do funcionalismo público, rumo a uma greve geral no estado do Paraná. A palavra na ordem do dia é “Nenhum direito a menos!” e assim deve ser para evitar derrotas e o avanço do projeto neoliberal sobre nosso estado e país.

Essa situação continuará instável nos próximos anos, visto que o governo do estado já nos deu demonstrações suficientes de sua opção num momento de crise: cortar direitos dos trabalhadores e gastos com serviços públicos.

Por conta disso, entendemos que é preciso fazer uma auditoria das finanças do Paraná, para que possamos saber para onde foi parar o dinheiro de um dos estados que mais aumentou sua arrecadação nos últimos anos. É difícil acreditar que isso possa ser feito pelos mesmos que hoje se mantém na defesa do governo. Por isso, a mobilização popular será fundamental para que esta avaliação aconteça, seja através de uma auditoria popular externa, seja através da CPI que é solicitada pela bancada de oposição da ALEP.

É necessário também avançarmos em propostas que possam trazer uma melhor redistribuição de riqueza em nosso estado, com a taxação progressiva dos impostos, fazendo com que os setores mais ricos da sociedade paguem mais, ao contrário do que temos hoje.

No âmbito dos direitos, é preciso ainda aplicar “medidas desmilitarizantes” na segurança pública, com a substituição do Regime Disciplinar do Exército por uma novo código de ética, que permita que policiais e bombeiros possam exercer seu livre direito de manifestação e reivindicação.

Será preciso seguir em luta, enfraquecendo e encurralando cada vez mais o governo Beto Richa, para que a sua derrota seja também a derrota da austeridade, das propostas que retiram direitos dos trabalhadores e da juventude, infelizmente tão em voga no Paraná e no Brasil.

É neste processo que fortaleceremos uma oposição coerente e combativa em nosso estado, tão em falta na ALEP e ainda pequena nas ruas.

*Bernardo Pilotto é sociólogo e trabalhador do HC-UFPR. Foi o candidato a governador do Paraná do PSOL em 2014. 

**Tábata Gomes é bióloga e professora da rede estadual. É a presidenta do PSOL-PR.