austeridade-4Fonte: Blog Amenidades.

A crise econômica que começa a atingir o Brasil de maneira mais firme não é inédita e nem começou por aqui. Ela se arrasta desde meados de 2008 e atingiu principalmente os Estados Unidos da América (EUA) e os “países periféricos do centro” (Espanha, Portugal, Grécia e Itália). Depois de repercutir no norte da África, a crise econômica vem agora chegando na América Latina, em “países centrais da periferia”.

Até agora, a resposta dos governos desses países foi a tomada das chamadas “medidas de austeridade fiscal”, que buscaram reduzir direitos trabalhistas e previdenciários, privatizaram o que ainda restava de empresas públicas e não trouxeram novamente os níveis de emprego do período anterior.

As medidas que Dilma vem anunciando desde sua reeleição em outubro de 2014 são bastante semelhantes àquelas tomadas pelos países europeus. Ainda que os índices de emprego no Brasil não estejam completamente deteriorados, há boas razões para um descontentamento geral com o governo federal: as novas regras para seguro-desemprego, alta dos juros para financiamento habitacional, corte nas bolsas estudantis, aumento da gasolina, escândalos de corrupção, entre outros. Há um sentimento de “estelionato eleitoral”.

A contradição, até aqui, é que esse descontentamento vem sendo capitaneado e se expressa politicamente por setores da oposição conservadora ao governo do PT. Quem tem capturado o sentimento de indignação é o PSDB e outros segmentos de direita. Foi isso que vimos nas ruas no dia 15 de março.

Mas, provavelmente, se Aécio tivesse sido eleito, estaria aplicando as mesmas medidas que Dilma anunciou.

A experiência europeia mostra que os planos de austeridade, para serem aplicáveis, necessitam de um governo muito forte, com amplo apoio popular ou de um “governo de consenso” entre a direita clássica e os partidos social-democratas. Foi assim na Grécia (com o acordo Nova Democracia-PASOK), na Espanha (acordo PP-PSOE), Alemanha e outros países.

Me parece que, no Brasil, não temos nem uma coisa nem outra. Em outras duas ocasiões, tivemos planos de austeridade junto a governos fortes.

Em 2003, o PT e o governo de Lula eram fortes o suficiente para conseguir fazer uma reforma previdenciária sem gerar uma grande crise parlamentar (apesar da expulsão de alguns parlamentares). Contaram, na ocasião, com simpatia da Rede Globo e com votos de parlamentares tucanos e do DEM. Me parece que essa também foi a situação em 1995, quando do começo do Plano Real, num período de alta popularidade de FHC (ainda que o PT tenha se oposto ao plano, não teve força suficiente para arranhar a adesão ao governo).

E, em outras duas ocasiões, foram planos em meio a governos que se enfraqueceram, por perderem apoio social. Foi o caso de Collor e do segundo mandato de FHC. Em ambos os casos, esses governos foram substituídos por governos com menos oposição, mais estáveis (Itamar em 1993/94 e Lula a partir de 2003).

Os discursos de Aécio Neves (PSDB) e de José Eduardo Cardozo (Ministro da Justiça de Dilma) no último domingo, em reportagem do programa Fantástico (veja aqui), da Rede Globo, podem ser a chave para entendermos o que pode acontecer nas próximas semanas. Que fique claro que estou escrevendo sobre uma hipótese. Pode ser que nem seja o cenário mais provável. Mas vislumbro que há uma chance disso que eu escrevo acontecer.

Nas entrevistas, tanto Aécio quanto o ministro do governo dão brecha para que haja um entendimento, um processo de “união nacional”. Talvez o PSDB avalie que esticou a corda demais e que a situação pode fugir de seu controle. Durante todo o dia 15 de março, as várias reportagens da TV Globo e da Globo News faziam questão de mostrar que as faixas pedindo “intervenção militar” e “volta dos militares” eram residuais. Estavam, na verdade, disputando politicamente o ato, para que saísse da extrema-direita e rumasse ao centro. Por outro lado, o governo pode avaliar que está acuado demais, sem iniciativa, e que é melhor “ceder um anel para não perder os dedos”.

Não é a vitória completa para ambos. Para o PT, por motivos óbvios. Para o PSDB, porque o melhor, pragmaticamente, era esperar o governo sangrar até 2018, associar o mandato de Dilma com a ideia de “esquerda”, garantindo que Aécio seja a única opção possível para presidente daqui 3 anos. Por outro lado, a perda de rumo em âmbito federal pode afetar decisivamente os governos estaduais tucanos, especialmente Paraná (onde o plano de austeridade de Beto Richa sofreu uma estrondosa derrota) e São Paulo.

Essa seria uma saída “europeia”. Uma quebra da forma de compor governos que é feita desde a redemocratização em 1985. Seria uma forma de garantir uma mudança sem mudar nada. Um novo pacto, novamente das elites, para uma transição para um novo período.

A saída de “união nacional” seria uma forma de garantir mais estabilidade para os planos econômicos que visariam tirar o Brasil da crise pela via das elites, pela via liberal. Portanto, não é uma perspectiva que refresca para as classes trabalhadores e setores populares. Para estas, diante de um governo federal a cada dia mais indefensável, a saída continua sendo a mobilização autônoma para enfrentar os planos de austeridade e a retirada de direitos, seja oriundas de governos petistas ou tucanos, ou ainda através da “união nacional”.