Passeata-dos-educadores-no-centro-de-Foz-do-Iguaçu-foto-de-Marcos-Labanca-700x455Por Andrea Caldas*

O dia 12 de fevereiro de 2015 marcou, para o Paraná e o país, a primeira derrota do discurso da inevitabilidade dos cortes – de um lado só – para garantir o equilíbrio das contas públicas.

Os trabalhadores/as em educação do Paraná, em luta contra o desmonte da escola pública e a redução de direitos trabalhistas, que seria votado na Assembleia Legislativa, galvanizaram apoios entre os mais variados movimentos e setores sociais. A aula pública de cidadania espraiou-se por praças e ruas, em cada canto do estado.

O governador, de sua parte, contou com a maioria no parlamento, a força policial e recebeu apoio do Judiciário para manter a sessão, que votaria o chamado “pacotaço”, fora do ambiente do plenário da Assembleia, ocupado pelos persistentes manifestantes, há três dias e noites.

Além de tudo, o clima geral de necessidade de ajuste fiscal e “esforço cívico” colocava os trabalhadores/as na condição de algozes do Estado.

Foi a garra e coragem dos educadores/as que transformaram a dor da humilhação e da desvalorização em combustível da organização. Ao somarem forças, ganharam apoios, e os milhares de lutadores e lutadoras reencontraram-se com muitos mais.

Em meio a bombas de gás e spray de pimenta, empurraram com a força da determinação o cordão de isolamento da PM, que recuou. Abriram caminhos e romperam os muros. Os deputados, em maioria para decidir os destinos dos servidores, esconderam-se e não resistiram.

A sessão foi suspensa. Os projetos foram retirados. A onipotência da correlação de forças da governabilidade institucional recuou diante da mobilização e unidade social.

Todavia, este era só o primeiro embate. Com a suspensão da greve, a partir de uma promessa de negociação, celebrada no tribunal de justiça, o governo voltou a enviar para votação, na Assembleia Legislativa, o projeto que autoriza o uso dos recursos do Fundo de Previdência dos servidores públicos para sanear as contas do estado.

A greve é retomada e o governo monta uma operação de guerra para conseguir viabilizar a votação, isolando o parlamento da participação popular.

A espetacularização da tirania 

O Massacre da Praça Nossa Senhora Salete, ocorrido no dia 29 de abril, pelas mãos do governador do Paraná contra os trabalhadores de educação guarda traços de crueldade planejada.

Se na ditadura, lutou-se pelo restabelecimento dos marcos democráticos pelo direito de protestar, o que se viu no dia 29 de abril, em Curitiba, foi a profissionalização da tirania de Estado, em tempos de democracia.

A operação não foi um descuido. Ao contrário, foi meticulosamente organizada pelo Secretário de Segurança, Fernando Francischini. O espetáculo contou com helicópteros a atirarem bombas em voos rasantes e tiros que não cessavam mesmo depois do recuo dos educadores, estudantes e trabalhadores.

Quem lá esteve, pode testemunhar a dor de da perplexidade, impotência e desespero, entre educadores e estudantes, diante da operação planejada para fazê-los calar e para tentar humilhar a coragem de luta.

As cicatrizes na Pátria Educadora

A greve ainda prossegue no Paraná, com o rompimento das negociações, por parte do governo do Estado e ameaça de punições aos grevistas.

As cenas de violência, que chocaram o país, deixam sequelas para todos os feridos e macularam, fortemente, a imagem do governo do Estado, alvo de processos e protestos generalizados.

Ao invés do diálogo, o governo tem optado pela guerra publicitária que busca deslegitimar o movimento grevista. Depois do massivo apoio social que a greve dos trabalhadores/as em educação do Paraná conquistou, em todo o país, e que a condenação ao massacre, promovido pelo governo do Estado, ultrapassou as fronteiras nacionais, o governo inicia sua tentativa de desgaste do movimento.

Circulam nas redes sociais e nas páginas da mídia, apelos de pais e mães de estudantes para que a greve seja encerrada.

Se o corajoso e altivo movimento de lutas dos educadores/as fez ressoar o espírito altruísta de solidariedade social e coletiva, despertando os melhores sentimentos que a humanidade consegue ter, quando se desprende de sua mera reprodução individual. Por outro lado, o discurso governista busca dialogar como o individualismo e os instintos de sobrevivência na sociedade competitiva: “meu filho/a não vai passar no vestibular?”

São legítimas as preocupações, de todos nós, com a qualidade da educação e o desejo coletivo de que a greve seja encerrada. Contudo, o apelo deve ser dirigido ao governo e não aos educadores/as. São estes/as últimos que estão lutando pelas condições de trabalho e qualidade da educação.

A resposta do governo à greve de mais de dois meses foi:

– Reajuste parcelado de 5%;

– Descontos nos salários dos grevistas e lançamento de faltas;

– Abertura de processos por insubordinação contra diretores escolares que

estimularam a greve;

– Pagamento dos atrasados (promoções e progressões) até o final do ano;

– Contratação de professores temporários para reposição da greve;

– Encerramento das negociações com os sindicatos. (da Agencia Estadual de Notícias – PR)

Educação, ofício de luta 

O quadro agudo que se testemunhou no estado do Paraná não é, infelizmente, uma situação isolada no país, em tempos de Pátria Educadora.

Várias greves ocorrem nos estados e municípios, em sua maioria, para fazer valer direitos já conquistados como o Piso Salarial e a hora-atividade.

A queda de arrecadação, o propalado clima de Ajuste Fiscal nas contas públicas e as travas da Lei de Responsabilidade Fiscal – resquício estrutural da Reforma do Estado nos anos 90 – colocam em xeque os avanços de anos anteriores e comprometem a execução das ousadas metas do Plano Nacional de Educação, do ponto de vista da expansão, qualidade, e valorização profissional.

Enquanto mecanismos de repasse financeiro e ampliação de recursos não forem viabilizados, a tendência será de agravamento da crise na educação.

Entre estes, encontram-se o Custo Aluno Qualidade Inicial e a regulamentação do Fundo Social do Pré-Sal e destinação dos royalties do Petróleo, ambos aprovados em 2010 e não sancionados/regulamentados pelo governo federal.

Além disto, é preciso urgentemente rever os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, especialmente nas áreas da saúde e educação, onde os limites contábeis travam a viabilização das obrigações institucionais.

Caminhar com a certeza de que a luta vale a pena e nos inspirar na coragem dos educadores e educadoras que transbordam suas lições das salas de aula para as ruas. Esta é a saga incansável da educação brasileira que renova seu espírito de compromisso desde o Manifesto dos Pioneiros da Educação, de 1932:

“Temos a consciência de nossas fraquezas e de nossos defeitos. A geração atual não é, nem podia ser melhor do que as gerações que nos precederam. Mas não temos mais a obsessão e a superstição do fácil. Compreendemos que não se forma o espírito por subterfúgios, e que devemos ganhar o pão com o suor do rosto, isto é, pelo esforço, lutando contra todas as resistências e subindo dolorosamente da confusão, da superficialidade e da fraqueza, para a claridade, a precisão e a força. Sem perdermos o gosto das coisas do espírito, temos o sentimento das coisas da vida, a consciência do interesse comum, a solidariedade efetiva com o povo, a simpatia pelos seus sofrimentos, pelas suas aspirações e pelas suas necessidades, e a consciência de que a grandeza do país com a primeira civilização tropical, não romperá do seio da terra, mas do pensamento, da energia e do braço de seus filhos.” (Fernando Azevedo, 1932).

*Andrea Caldas é professora da UFPR e Diretora do Setor de Educação dessa universidade.