hqdefaultO dia era especial, 20 de novembro, e estávamos em Curitiba em meio a uma movimentação de diversos movimentos sociais, com protagonismo do movimento negro, contra a decisão do Tribunal de Justiça do Paraná que havia cancelado o feriado do Dia da Consciência Negra na capital mais negra do sul do Brasil. Por pura coincidência, aconteceria, também em Curitiba, o primeiro jogo da final da Copa do Brasil entre Flamengo e Atlético-PR.

O Flamengo não tinha uma grande estrela e fazia uma campanha mediana no campeonato brasileiro, lutando contra o rebaixamento na maior parte do tempo. Mas, na Copa do Brasil, havia derrotado grandes elencos, como do Cruzeiro. Um título da Copa do Brasil salvaria o ano. E a torcida sabia disso…

Naquele dia, o calçadão da rua XV virou uma praia carioca. Milhares de flamenguistas que chegavam a cidade foram por lá se concentrando, visto que a troca do ingresso (que só era comprado no RJ) se dava num hotel ali por perto. E, nessa grande delegação flamenguista, alguns eram especiais, pelo menos pra mim: os Neivas!

O Alvaro eu já conhecia da militância em diversas frentes. Mas o velho Seu Neiva eu tinha visto apenas algumas vezes, de relance, em alguns blocos durante o carnaval do Rio. A vinda deles foi a oportunidade de eu também ir ao jogo, visto que conseguir um ingresso aqui em Curitiba seria impossível. Junto com eles, também veio um terceiro irmão do Alvaro, que de tão quieto fiquei sem saber o nome dele até hoje.

Perto do meio-dia consegui encontrá-los. Fomos direto para Santa Felicidade almoçar, conforme reivindicação Dele. E pedido Dele a gente não costumava negar. Depois do almoço, nos separamos. Eles foram descansar e eu fui num dos atos para marcar a data que é, como diz o samba de Nei Lopes e Wilson Moreira, para lembrar e refletir. Antes disso, eles me fizeram uma pergunta importante: era possível ir ao jogo de camiseta do Flamengo? Orientei que era possível, mas que era bom disfarçar, com algum casaco em cima.

Horas depois, quando nos encontramos, já perto do jogo, vi que o conceito de disfarce dos cariocas era diferente do meu: Seu Neiva estava de bermuda e sandália e Alvaro estava de bermuda e chinelo… sim, chinelo! Mal sabiam eles que quase ninguém vai a um jogo noturno em Curitiba com esse traje, visto que sempre o tempo pode virar e o frio chegar. Tal vestimenta era uma identificação de carioca muito mais forte do que qualquer camiseta do Flamengo!

E tudo poderia piorar: na hora do milagrosos gol de empate de Amaral, no meio dos pulos de todos, o chinelo do Alvaro voou, para nunca mais voltar. Além de estar de bermuda, agora ele estava descalço. E permanentemente, visto que este era o único calçado que ele tinha trazido em sua mala. Apesar de tudo isso, o final foi feliz: o empate foi um ótimo resultado e o Flamengo garantiu o titulo na semana seguinte no Maracanã; além disso, nada sofremos na saída do estádio, salvo uma coisinha ou outra.

Dois anos depois, a lembrança desse dia permanece viva. O Seu Neiva não está mais em nosso mundo dos vivos. Será lembrado, por muitos, pela sua generosidade, carinho, pela sua militância e trajetória incrível. Para mim, será sempre aquele senhor de barba branca, pai do Alvaro, que vi a primeira vez num Embaixadores da Folia. Será sempre o 100% flamenguista, que veio a Curitiba para ir num jogo de sandália e bermuda.  O flamenguista que usava um idioma próprio para afastar o time adversário de nossa área. Um flamenguista com a carioquice estampada na testa.

Seu Neiva, presente!