Em 2013, um evento na UFPR avaliou a política de cotas.

Em 2013, um evento na UFPR avaliou a política de cotas.

Imaginei que não precisaria escrever um texto como esse: passados mais de 10 anos da aprovação da política de cotas na UFPR, achei que esse assunto não voltaria a ficar tão na ordem do dia quanto agora. Ainda que não seja a pessoa mais adequada para tal empreitada, visto que não sou negro e por isso nunca passei por situações como estar num shopping e ser perseguido por um segurança e/ou ser orientado a pegar o elevador de serviço (e outras milhões de situações preconceituosas pelas quais passam os negros e negras diariamente), entendo que posso contribuir sobre o tema.

O resultado da primeira fase do vestibular da UFPR detonou uma série de impropérios nas redes sociais reclamando da política de cotas, acusando o PT de usar isso como “máquina de votos” e colocando as cotas como culpada pela não aprovação na universidade. Pois bem… é importante pontuar, ainda que de forma desconexa em alguns momentos, algumas coisas:

1) O problema da educação superior pública brasileira está longe de serem as cotas. Ao se indignarem contra as cotas (e muitas vezes contra os cotistas, o que é mais absurdo ainda), os não-aprovados no vestibular estão mirando o alvo errado. Vejamos: o curso de Arquitetura e Urbanismo tem 60 vagas, na Odontologia são 64 vagas e a Engenharia Química conta com 76 vagas. Certamente há muito mais gente interessada nesses cursos do que esse número de vagas. Logo, o problema está longe de serem as cotas. O problema é a falta de vagas, o corte frequente e anual de verbas da educação federal, o incentivo ao ensino privado através do PROUNI e do FIES. Que tal usarmos toda essa indignação para cobrar mais vagas no ensino superior?]

2) Não é verdade que as cotas são uma “política do PT”. Elas são, muito mais, uma antiga reivindicação do movimento negro, que foi avançando pouco a pouco, até que virou uma política nacional. As primeiras universidades a terem programas de cotas (como a UnB, UERJ e UFPR) o fizeram antes que isso fosse uma política nacional. Ou seja, o processo se deu mais de baixo pra cima do que como uma imposição vertical. As cotas são, também, uma política fruto do reconhecimento, por parte do governo brasileiro, de que nosso país é um Estado racista. E sabe quando isso aconteceu? Na Conferência Mundial Contra o Racismo da ONU em Durban, na África do Sul, em 2001, durante o governo de FHC, do PSDB.

3) Também é preciso dizer que as cotas não são injustas. O vestibular é que é injusto. Uma prova, que cobra todos os conhecimentos adquiridos até então no seu percurso escolar, independente de serem úteis para sua vida ou não, realizada em um ou dois dias, certamente não é a melhor forma de verificar se aquelas pessoas tem o conhecimento necessário para estar na universidade. No fim das contas, no dia a dia universitário, vamos ver que o conhecimento que tivemos em todo o ensino fundamental e médio tem muito pouca relação com o que precisamos estudar na educação superior. No meu caso, por exemplo, passei o ensino médio inteiro aprendendo e sendo condicionado a escrever redações de 10 linhas, porque era isso que caía no vestibular da época (eram de 4 a 5 redações de até 10 linhas). Pois bem, entrei na faculdade, no curso de Ciências Sociais, e vi que o correto, neste curso, era escrever pelo menos uma página de resposta para cada pergunta nas provas.

4) Mas, mais injusta do que o vestibular, é a desigualdade social. É ela que faz com que uns só estudem, integralmente, e outros tenham que trabalhar para ajudar a família e, caso dê tempo, estudar para o vestibular. E o Brasil, sabemos, é campeão em desigualdade, sendo que Curitiba não fica atrás. Ainda que parciais, ainda que temporárias, as cotas são sim uma política para diminuir a desigualdade. As políticas de cotas raciais e de escola pública acabam ajudando a equilibrar a “cota de cursinho” que já existia.

5) Se tivesse que escolher entre uma e outra, ficaria com as cotas raciais. Entendo que elas reconhecem um problema que é mais profundo do que apenas boas condições de ensino na escola pública. É um problema cultural. Um problema de representatividade. Um problema de não enxergar a Universidade como um espaço possível de ser ocupado. E também é por isso que foi muito importante a recente decisão da UFPR de garantir cotas também na primeira fase. No modelo anterior, muitas vagas de cotas não eram ocupadas, especialmente em cursos como Direito e Medicina. Agora, com as cotas na primeira fase, elas são pra valer.

6) Ainda que não seja o mais importante, o STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu que as políticas de cotas são constitucionais, pois fazem parte de um conjunto de políticas destinadas a garantir a igualdade que está formalmente inscrita na Constituição de 1988.

7) Até o momento, as políticas de cotas na UFPR ajudaram que esta universidade mudasse seu perfil. Ganhamos em diversidade, em novas possibilidades e intenções de pesquisa. Ganhamos também em possibilidades de mobilização: não é coincidência que, no primeiro ano (2005) com estudantes cotistas, aconteceu uma ocupação do RU do Politécnico reivindicando ônibus intercampi e a construção de um novo RU.

Por fim, é preciso dizer que não há nenhum índice que mostre queda de qualidade na UFPR por conta da política de cotas. E esse era o principal argumento daqueles que eram contrários as cotas lá pelos idos de 2004. O principal argumento caiu por terra, mostrando que era um argumento baseado muito mais num pré-conceito do que em fatos reais.