ÍndiceNa Copa de 1958, conta a história que, antes do jogo com a URSS, vencido pelo Brasil por 2×0, o treinador Vicente Feola fazia sua preleção, incentivando os jogadores até que olhou para o ponta-direita Garrincha, o anjo das pernas tortas, onde se prosseguiu o seguinte diálogo:

– Garrincha, é o seguinte: você pega a bola e dribla o primeiro beque. Quando chegar o segundo, você dribla também. Aí vai até a linha de fundo, cruza forte para trás, para o Vavá marcar (o gol)”.

Garrincha, calado, assustado com as instruções, falou:

– Tudo bem, Feola, mas o senhor já combinou com os russos?

Desde então, a expressão “faltou combinar com os russos” é usada quando algo que parecia combinado não acontece. É, com certeza, um bom ensinamento para a política, visto que muitas vezes as organizações e/ou movimentos programam ações sem prever o que o “outro lado da história” possa fazer. E é o que parece ter acontecido com Eduardo Cunha nesta semana.

Diante da decisão da bancada parlamentar do PT de votar contra Cunha no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, Cunha deu sua última cartada: deu prosseguimento a um dos pedidos de impeachment que estavam parados na presidência da Câmara (pelo rito processual, um pedido de impeachment é para lá encaminhado e aí então o presidente da Câmara decide se ele deve prosseguir ou não; no Paraná, o presidente da ALEP decidiu que o pedido de impeachment de Beto Richa não era válido e aí nem foi formada a tal comissão processante).

Mas, até agora, o tiro aparenta ter sido no pé. Isso porque o encaminhamento escolhido por Cunha parece não ter empolgado, até o momento, seus potenciais aliados. É o que podemos perceber a partir da cobertura da grande mídia e da declaração das principais entidades empresariais do país. Para estes, a questão principal continua sendo a aplicação do ajuste fiscal, que para eles não pode mais demorar. É também o que expressam a coluna de Rhodrigo Deda na Gazeta do Povo desta sexta-feira, 04 de dezembro e reportagens da revista britânica The Economist.

A decisão de Cunha de cabeça quente pode acabar gerando um fortalecimento de Dilma, visto que ficou evidente que a abertura do processo de impeachment foi por conta de uma “dor de cotovelo” e porque permite que os setores governistas dos movimentos sociais voltem a propagar o “perigo do golpe” como forma de tentar “centralizar” todos os demais setores para que apoiem Dilma e parem de fazer críticas ao governo federal.

Neste jogo de empurra-empurra, parece que tudo vai continuar como está: ajuste fiscal e retirada de direitos sociais caminhando a passos largos. Pra mudar isso, a receita e aquela mesma de sempre: movimentos na rua. Mas não nos servem movimentos que sejam para defender o indefensável: o governo Dilma ou a volta dos militares.

É preciso ir as ruas como estão indo as mulheres, na primavera feminista, como estão indo os estudantes paulistas, combatendo o ajuste fiscal do PT, PMDB e do PSDB, o corte de verbas da saúde e educação, os retrocessos nos direitos sociais. É desta forma que poderemos alterar o jogo e começar a dar as cartas.

Saiba mais:

Do ponto onde estamos: uma leitura sobre o momento atual da luta de classes no Brasil

Confira perguntas e respostas sobre o pedido de impeachment