mapa_microcefalia---06Originalmente publicado no blog Amenidades

Apesar de importante para democratizar o acesso a informações e para possibilitar o contato com pessoas distantes, as redes sociais também têm servido para o fortalecimento de “debates” estereis, onde se cristalizam posições antagônicas e onde quase sempre não há possibilidade de convencimento dos outros. É o famoso debate entre torcidas, como se estivéssemos sempre num Fla-Flu ou num Gre-Nal.

É assim com os debates sobre a política local e nacional, sobre o BBB, as hashtags, entre outros temas. E, incrivelmente, está sendo assim também o debate sobre o Zika virus e a microcefalia.

Desde que aumentaram os casos de microcefalia no nordeste brasileiro, ainda em meados do segundo semestre de 2015, a versão oficial (propagada especialmente pelo Ministério da Saúde) tem associado esses casos ao Zika virus, transmitido, como já é sabido, pelo mesmo mosquito que transmite a dengue, a febre amarela e a febre chikungunya. Mas, como também já sabemos (embora alguns insistam em negar), na saúde não há simplesmente uma versão para os tratamentos e doenças, alguns pesquisadores começaram a indicar que outras causas estariam associadas a microcefalia, como o uso de alguns agrotóxicos.

A possibilidade dos casos de microcefalia estarem associados a outro fator que não o Zika virus, fez com que a temática chegasse às redes sociais, em especial no Facebook, como mais um tema para objeto das “torcidas”. Desta forma, os “oficialistas” (que nesse caso acabaram se somando aos que veem a área da saúde apenas com o olhar mais conservador da medicina curativista) passaram a defender que toda culpa é do Zika; por sua vez, os “alternativistas” passaram a bater na tecla da causa por agrotóxico.

Mas não é preciso ser um especialista em epidemiologia para saber que ambas as respostas estão, provavelmente, erradas, ou, pelo menos, apenas parcialmente certas. Isso porque ainda não há evidências suficientes para sacramentar uma causa, bem como já é possível perceber semelhanças entre os lugares onde estão os maiores picos de casos de microcefalia: falta de saneamento básico, baixa escolaridade, pobreza e dificuldades de alimentação, etc. Também não é preciso ser um especialista em questões ambientais para perceber que a proliferação do mosquito Aedes tem relação com o crescente desmatamento e desequilíbrio ambiental fruto da expansão das cidades. Ou seja, o debate raso que está sendo feito não dá conta de realmente ir a fundo no problema.

Isso, inclusive, também vale para outras doenças, como a dengue. É o que nos disse o equatoriano Jaime Breilh no V Seminário da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde, que ocorreu no primeiro semestre de 2015 na UERJ. Na ocasião, Breilh trouxe estudos que mostram a relação entre a monocultura e o aumento dos casos de dengue. Sabemos que, para dengue ou para o Zika, para a versão “oficial” ou “alternativa”, ter relação de causalidade não é suficiente; caso fosse, proibiríamos a venda de pão (visto que 100% dos mortos no dia de hoje comeram pão na última semana).

Também é preciso dizer que, sim, a indústria farmacêutica tem interesses muito próprios na forma de divulgação de determinadas doenças (não é só na novela Regra do Jogo que os donos dessas indústrias são mafiosos). Foi assim com a “epidemia” da gripe suína, que serviu muito bem aos interesses da venda de milhares de cápsulas de Tamiflu. É o que já apontou Richard Roberts, Prêmio Nobel de Medicina: essas indústrias lucram por conta da doença e do sofrimento. Mas, até o momento, o interesse da indústria ainda não ficou explícito nesse caso.

Por fim, é preciso registrar uma questão, para que meu posicionamento não pareça uma exaltação da ciência ou de sua suposta neutralidade: não há uma única epidemiologia (ramo da saúde coletiva que estuda o processo saúde-doença nas populações) e há, inclusive, uma área chamada de epidemiologia crítica. Mas, no caso, os questionamentos feitos pela epidemiologia crítica estão muito mais relacionados com a forma e o tipo de estudo feitos pela epidemiologia tradicional do que com o seu método científico (nossa avaliação é que a epidemiologia hegemônica tem limitações mas não de que ela estaria simplesmente errada). Por conta disso, neste momento, precisamos de mais estudos epidemiológicos do que de boataria e de menos desigualdade social e mais distribuição da riqueza. Além disso, vale lembrar: na dúvida, vamos combater o foco dos mosquitos, usar repelente, etc.

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Zika e saneamento – Marcelo Freixo