imp-ult-1620537955Publicado originalmente no Notícias Paraná

É verdade que a criação de uma empresa pública para a gestão dos hospitais universitários federais teve a marca de Lula e Dilma. Mas não é verdade que esta ideia é exclusiva do PT e/ou que a EBSERH irá cair numa eventual queda de Dilma.

A EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares) surgiu em dezembro de 2010 (quase no último dia do governo Lula) como uma Medida Provisória; após a rejeição da MP no Senado, Dilma apresentou a criação da EBSERH como um projeto de lei, que tramitou no Congresso Nacional em regime de urgência. Posteriormente, o governo pressionou os Reitores para que aderissem a este modelo de gestão através da retaliação (pelo corte de verbas) às Universidades que “ousaram” reivindicar sua autonomia.

E ela não vai acabar se Temer assumir, ainda que muitos acreditem nisso pelos corredores do Hospital de Clínicas da UFPR.

Isso acontece porque a proposta de gestão da saúde de forma terceirizada não é exclusiva do PT. Ela nasceu muito antes, ainda nos anos 1990, no governo FHC, com a aprovação da Lei que permitiu a gestão por Organizações Sociais, que foi rapidamente aplicada no estado de São Paulo.

As Organizações Sociais – OS’s – são entidades “sem fins lucrativos”, para as quais a gestão de hospitais foi repassada. Como tive oportunidade de estudar no mestrado em Saúde Coletiva na Unifesp, a gestão pelas OS’s não trouxe benefícios para a saúde pública. Ao longo do tempo, se mostrou mais cara, não melhorou os índices epidemiológicos e acabou servindo para destinar recursos públicos para entidades privadas do setor.

Ao invés dos trabalhadores fazerem concurso público, são contratados por essas entidades. Ao invés dos Conselhos de Saúde, os hospitais geridos pelas OS’s respondem a “conselhos gestores”, que contam com muito menos participação social do que o controle social previsto na lei do SUS.

Na época de sua aprovação e implementação, as OS’s contaram com grande oposição do PT. O partido, inclusive, entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN – no Supremo Tribunal Federal contra o modelo. Por isso, quando chegou ao governo federal, o partido acabou procurando uma outra forma de terceirizar a gestão da saúde.

Foi assim que surgiram as propostas de Fundação Estatal de Direito Privado, a partir de projeto de lei enviado pelo Ministério do Planejamento em 2007, e da EBSERH. As Fundações foram implementadas em vários estados, inclusive por governos do PSDB (como o de Beto Richa). No Rio de Janeiro, a Prefeitura de Eduardo Paes (PMDB) implementou a RIOSAÚDE, semelhante a EBSERH. A terceirização da gestão da saúde acabou ganhando novas formas e apoiadores, o que dificultou o seu combate.

Isso tudo mostra que, ainda que tenha a marca de Lula e de Dilma como apontei no início do texto, a EBSERH não é um projeto ao qual Temer e sua turma se opõem. Infelizmente, atualmente há uma ampla hegemonia entre os partidos políticos, prefeitos, governadores e “especialistas” de que o Estado “não comporta” mais o SUS e que por isso a gestão deve ser terceirizada.

Há um abandono do combate pelo projeto da reforma sanitária brasileira construído nos anos 1980. Uma adaptação pragmática aos tempos atuais. É preciso retomar o nosso projeto, não por um fetiche estatista, mas pelas demandas urgentes de saúde que ainda continuam e que não podem ser resolvidas pela via do mercado. Tenho certeza que a mudança de Dilma por Temer não vai ajudar nesse projeto; será preciso reconstruir o que fizemos nos anos 1980: gente na rua, discussão capilarizada e pressão nos parlamentares e governos de fora pra dentro!