imagesO ano de 2014 já começou com debates quentes na esfera da educação, a partir da falência de duas instituições de ensino superior privadas do Rio de Janeiro, a Universidade Gama Filho (UGF) e a Universidade da Cidade (UniverCidade). A falência de duas instituições mantidas pelo mesmo grupo empresarial (Grupo Educacional Galileu) acendeu o sinal vermelho acerca da qualidade do ensino privado e trouxe novamente a palavra “estatização” para o vocabulário, especialmente a partir da carta elaborada por Reitores das universidades federais do Rio de Janeiro. No Paraná, também foi decretada, com menos repercussão, a falência da Faculdades Integradas Espíritas (FIES).

É bastante simbólico que a falência de três instituições de ensino superior privadas aconteça justamente no ano em que completa-se 10 anos do Programa Universidade Para Todos, o PROUNI. Criado em 2004, a partir de uma Medida Provisória (MP nº213/2004), o PROUNI caracteriza-se pela compra de vagas em instituições privadas pelo governo federal, que por sua vez preenche elas com alunos de baixa renda a partir do ENEM (Exame Nacional de Ensino Médio). O governo federal compra essas vagas a partir da isenção de impostos, como PIS, Cofins e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Se é verdade que o PROUNI possibilitou a entrada de milhares de brasileiros no ensino superior, engana-se quem pensa que o programa foi criado com este objetivo. A criação do programa está ligada uma crise da expansão do ensino superior privado, que teve uma rápida expansão a partir do sucateamento das universidades públicas promovidos pelos governos federal e estaduais nos anos 1990. Um decreto de 1997, assinado por FHC, facilitou a expansão das instituições com fins lucrativos. Mas, após alguns anos de expansão, a ausência de “mercado consumidor” fez com que boa parte das instituições privadas estivesse a beira da falência.

É neste cenário que surge o PROUNI. Com o programa, muitas instituições tiveram uma sobrevida e continuaram expandindo seus negócios, assim como novas faculdades foram criadas. Em alguns locais e cursos, quase 100% dos estudantes eram vinculados ao programa, mostrando que a existência dessas instituições era estimulada e garantida apenas pelo incentivo governamental.

Desde 2004, diversos segmentos da sociedade vem defendendo que a expansão da educação superior pela via do mercado não era a melhor solução para o país. Ao invés de pagar bolsas em instituições particulares, não seria melhor investir esse dinheiro nas universidades públicas? Mas o governo federal e suas entidades estudantis aliadas optaram por defender o programa com “unhas e dentes”, desmerecendo qualquer crítica ao programa. Além disso, o Ministério da Educação  e o Congresso Nacional continuaram cedendo ao lobby das instituições particulares, como na aprovação de lei que permitiu a troca de dívidas por mais bolsas no PROUNI.

Aos 10 anos de um dos principais programas do governo federal, a situação da UGF e UniverCidade confirmam a hipótese que a via do mercado não era a melhor possibilidade. Mesmo com uma montanha de dinheiro público investido nas instituições particulares, estas continuam oferecendo qualidade de ensino inferior as das universidades públicas, muitas deles sem nenhum mecanismo de pesquisa e extensão, piores condições de trabalho aos professores, com freqüentes atrasos de salário, e quase nenhum programa de assistência e permanência estudantil.

Diante da inevitabilidade da existência de mercado em uma sociedade capitalista, o papel do governo deveria ser estabelecer regras rígidas de funcionamento, para que a educação não fosse vista apenas como mais um negócio. Depois do PROUNI, muitos grupos empresariais migraram para a área de educação, pela possibilidade de lucros rápidos com a atividade. Para inverter esta lógica, seria preciso exigir um padrão único de qualidade, semelhante ao das universidades públicas, com garantia do tripé ensino-pesquisa-extensão, liberdade de cátedra e estabilidade, assistência estudantil e hora-atividade.

O estabelecimento desse padrão único de qualidade limparia o “meio-de-campo” na esfera das instituições privadas. No caso de instituições virem a falir ou desistirem de operarem na educação, o governo federal encamparia tais faculdades, garantindo o direito a educação daqueles que por lá estavam matriculados. Essa é uma forma possível de fazer com que a educação pública superior volte a ser a prioridade do Brasil.

Mas, infelizmente, a atuação do MEC no caso das instituições cariocas falidas e o adiamento da Conferência Nacional de Educação (CONAE) mostram que o governo federal não está disposto ao debate e prefere continuar investindo na “cidadania de mercado”, modelo que cada vez mais já mostra seus sinais de falência.