juegos-malabares mazasNos circos, os malabaristas são conhecidos pela sua destreza em manipular objetos com precisão e agilidade. Já no “mundo da política”, malabarismo é a “arte” de encontrar argumentos até então impensáveis para determinado tema. Se, no circo, quanto maior é a criatividade do malabarista e a dificuldade de manusear os malabares, maior é a apreciação por parte do público, na política o malabarismo é sinal de desespero e de fraqueza.

Um típico caso de malabarismo é a argumentação do deputado federal paranaense Assis do Couto (PT) em defesa da reabertura da Estrada do Colono. Em fevereiro de 2014, o deputado discursou na Câmara dos Deputados defendendo que a estrada foi fechada para ocultar o desaparecimento de 5 militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (grupo que fez oposição armada à ditadura militar). Com esse argumento, Assis tentou carimbar os defensores do fechamento da Estrada do Colono com posições políticas pró-ditadura militar, fazendo com que, por sua vez, os defensores da abertura fossem identificados como lutadores anti-ditadura.

As afirmações de Assis do Couto mostram uma tentativa desesperada de justificar sua posição política anti-ambiental e favorável ao agronegócio. Para essa tentativa, vale tudo, incluindo misturar temas políticos distintos. Se a mesma lógica defendida pelo deputado fosse aplicada em outras ocasiões, a floresta amazônica e a mata atlântica também não deveriam ser preservadas, visto que vários desaparecimentos políticos aconteceram nestes locais.

A atuação de Assis do Couto mostra que sua eleição para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados não deve ser vista como uma “salvação”.

E, para refutar suas afirmações acerca da Estrado do Colono, reproduzimos uma entrevista com Carlos Frederico Marés Filho, que é professor de Direito Agrário e Socioambiental da PUC-PR, procurador do Estado do Paraná e ex-presidente da FUNAI. Exilado durante o período da ditadura militar, Marés participou ativamente da campanha das Diretas Já e lembra bem o que levou ao fechamento da Estrada do Colono em meados dos anos 1980. A entrevista foi concedida para a bióloga e ativista ambiental Bianca Blanco. Segue:

1- Em setembro de 1986, governo Sarney, o Ministério Público Federal (MPF) obteve uma liminar que decretava o fechamento da estrada. Posteriormente, tal liminar foi mantida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Parque ganhou o título de Patrimônio Mundial Natural pelas Nações Unidas (ONU). Em qual conjuntura institucional o Brasil se encontrava quando foi decretado o fechamento da Estrada do Colono? Isto é, quem exigiu o fechamento da Estrada?

Marés: Em 1986 já havia ocorrido a primeira eleição presidencial após a ditadura. Não era direta ainda, mas tecnicamente a ditadura já tinha acabado. Ainda estávamos em um período de transição mas a posse de Tancredo Neves representou o término da ditadura. Nesse período já estava sendo discutida uma Constituição Federal que sairia em 1988 e que sustenta legalmente a proteção ao meio-ambiente.

2- Na sua opinião, as lideranças da sociedade civil que se envolveram na luta em defesa do Parque Nacional do Iguaçu tinham alguma outra intenção que não fosse o interesse público e a integridade desta importante Unidade de Conservação brasileira?

Marés: Não! As mesmas forças que lutaram para o fechamento da estrada lutaram pelo artigo 225 da Constituição (“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações). Eram forças democráticas contra a ditadura e estavam preocupadas com a preservação da natureza e do patrimônio cultural brasileiro reconhecido como “belezas naturais”.

3- Faz sentido justificar o fechamento da estrada como  uma decisão que teria como objetivo encobrir  assassinato desses militantes? Você considera eticamente aceitável a argumentação que usa a realidade histórica da ditadura como justificativa para o fechamento da estrada?

Marés: Não, não faz sentido nenhum. É um argumento de “bolso de colete”, isto é, inventado. Quando não se tem argumento algum, se inventa. Pesquisas arqueológicas não dependem de estrada. Esse argumento não faz sentido nem para abertura da estrada, nem para seu fechamento. Ademais, não foram forças da ditadura que determinaram o fechamento da estrada. Se fossem, teriam o feito até o ano de 1982, não somente em 1986. Não havia razão para espera. O argumento é insustentável: se fosse para descobrir os corpos bastaria uma picada na mata, não uma estrada que atravessa o Parque todo.

4- Na qualidade de cidadão brasileiro que viveu o período da ditadura e sofreu diretamente suas consequências, como o senhor recebe este tipo de argumentação?

Marés: Recebo achando que estão querendo mais uma vez nos enganar. É com tristeza e ansiedade que espero que achem as ossadas dos desaparecidos. Mas, para tanto, não é preciso destruir a natureza. Ademais, não é certo revelar um crime cometendo outro crime. Abrir a estrada novamente seria um crime contra a natureza.

5- O que você acha de uma pessoa com esse perfil liderando uma Comissão de Direitos Humanos?

Marés: Pela história recente do Brasil, percebemos que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal tem sido disputada por pessoas que não a querem funcionando. Porém, pelo trabalho do Assis do Couto com as populações camponesas, eu espero que ele perceba que para zelar pela população não é preciso destruir a natureza. Muito ao contrário, os camponeses precisam de uma natureza viva.