É lugar comum dizer que o estado do Paraná não tem (e/ou nunca teve) influência nas decisões políticas nacionais e que, ao contrário do quase vizinho Rio Grande do Sul e do vizinho São Paulo, seríamos um “estado fraco”. Esse discurso é o que justifica a “comemoração” perante a nomeação de qualquer paranaense para um cargo de expressão nacional, mesmo que este execute políticas que deveriam envergonhar a todos e todas.
Mas a verdade é que este discurso oculta a participação importante de políticos paranaenses em “páginas infelizes da nossa história” e nos leva a uma visão a-crítica sobre a presença de “filhos do Paraná” nos altos cargos de Brasília.
Na semana em que o golpe militar de 1964 completa 50 anos, é importante rememorar a participação da elite política paranaense neste processo. Veremos como a elite política parananense não é “fraca” e teve bastante força e presença nos governos militares de 1964 a 1985.
Vale ainda lembrar que a ditadura civil-militar iniciada em 1964 não foi o único período de participação paranaense na política nacional, visto que políticos do Paraná tiveram presença importante na “Revolução de 1930” e na tomada do poder por Getúlio Vargas e nos governos após 1985, com a participação em ministérios importantes desde o governo Sarney (Ministério dos Transportes, da Saúde, Turismo, Agricultura e, mais recentemente, Casa Civil e Comunicações).
O Paraná e a ditadura
O período entre o fim da ditadura do Estado Novo (1937-1945) e o golpe militar de 1964 é marcado por grande instabilidade política, com frequentes ameaças de golpes e reviravoltas no cenário político nacional. É neste mesmo período que, no governo do Paraná, consolida-se uma forte oligarquia, que atende plenamente o interesse das elites locais, com favorecimento econômico e distribuição de terras públicas e/ou já ocupadas a seus aliados.
Esse “bom desempenho” cacifou as elites paranaenses para ocupar funções nacionais nos grupos que articularam o golpe e que depois governaram o Brasil autoritariamente por 21 anos. Neste cenário, destacam-se 3 pessoas: Bento Munhoz da Rocha, Flavio Suplicy de Lacerda e Ney Braga.
Como deputado federal por duas legislaturas (1946/50 e 1958/62) e como ministro no governo Café Filho (1954/55), Bento Munhoz da Rocha, que foi também governador do Paraná entre 1951 e 1955, foi um dos principais políticos brasileiros ligados ao conservadorismo católico. Filho de uma família com tradição na política paranaense, articulou-se desde jovem com intelectuais defensores de ideais burgueses (como a Teoria Clássica das Elites). Para Bento, a questão social era um problema moral.
No seu segundo mandato de deputado federal, Bento Munhoz articulou-se no Congresso Nacional com os setores que foram favoráveis a deposição de João Goulart. Em 1962, votou contra a indicação de San Tiago Dantas como primeiro-ministro, por considerar que este simbolizava as reivindicações “esquerdistas e socializantes”. Ainda neste ano, proferiu diversos discursos contrários ao projeto das Reformas de Base, carro-chefe do governo Goulart. Em 1964, deixou clara a sua posição a favor do que chamou de “movimento militar”. Depois de ser derrotado para o Senado em 1962 e para governador em 1965, abandona a disputa por cargos políticos, passando a partir de então a ser partidário da ARENA (partido de sustentação do regime).
Flávio Suplicy de Lacerda foi Reitor da UFPR (então chamada de Universidade do Paraná) por 15 longos anos, entre 1949 e 1964. Só deixou de ser Reitor porque foi chamado por Castelo Branco, primeiro general a assumir o poder após o golpe militar, para ser Ministro da Educação. No cargo, implementou o acordo MEC-Usaid, que procurava transformar a educação superior brasileira em cursos técnicos e profissionais. Em 1967 voltou a ser Reitor da UFPR (até 1971) e propôs que os cursos de Direito e Medicina fossem pagos. Por conta disso, foi alvo da revolta dos estudantes, especialmente em maio de 1968, quando seu busto, que até hoje está localizado na UFPR (no pátio do campus Reitoria), foi decapitado e arrastado pelos estudantes por mais de 1 km.
Mas o político com mais influência e proximidade com a ditadura foi Ney Braga. Militar de carreira, Ney Braga foi levado para a política pelo seu cunhado e então governador, Bento Munhoz, que o ajudou a se eleger prefeito de Curitiba em 1954. Depois disso, Ney Braga foi deputado federal, governador do Estado (1961-65 e 1979-82), presidente nacional do PDC (Partido Democrata Cristão), senador e ministro em dois governos militares, de Castelo Branco e Geisel. Ou seja, teve influência e participação em diversos momentos do período de ditadura civil-militar.
A ocupação de altos cargos por Ney Braga foi o reconhecimento de seu papel em apoio ao regime militar. Até 1962, Braga se posicionou de maneira dúbia em momentos chaves, como na crise oriunda da renúncia de Jânio e na articulação entre governadores pró e anti-Jango. A partir de 1963, quando há desentendimentos sobre a nomeação de cargos do PDC no governo Jango, Ney Braga passa a ter uma postura mais claramente oposicionista. Em 24 de março de 1964, poucos dias antes do golpe, quando acontece em Curitiba a “Marcha com Deus pela Família e Liberdade”, Ney Braga discursa aos manifestantes dizendo que o livro do MEC (Ministério da Educação) não seria jogado fora ali para “não sujar o chão do Paraná”. Em 01º de abril, data do golpe, o governador do Paraná divulga manifesto pedindo apoio dos paranaenses ao “movimento militar”. Posteriormente, Ney Braga tem influência na escolha de Castelo Branco para ser o primeiro “presidente militar” e com isso consegue indicar o ministro da Educação e o presidente do IBC (Instituto Brasileiro do Café).
A partir daí, Ney Braga tem influência em todos os governos militares, conseguindo também manter seu poder sobre os governos do Paraná, chegando a formar o “neyismo”. Além de ser Ministro da Educação, Ney Braga consegue indicar outros ministros, como Ivo Arzua, que assume a pasta de Agricultura e é o único paranaense a participar da reunião que decidiu pela implementação do AI-5 em dezembro de 1968 (mais um episódio que desfaz o mito de “estado fraco”).
A participação desses políticos paranaenses nos governos militares mostra que a elite política de nosso estado sempre esteve associada aos setores mais conservadores da política nacional. Evidencia também que o real debate político não é regional e sim sobre o conteúdo ideológico a ser implementado em determinados governos. Não queremos ministros paranaenses para apoiarem ditadores, para realizarem reformas neoliberais de direitos sociais (como Reinhold Stephanes, ministro da Previdência de FHC) ou para ficarem marcados como aqueles que se negaram a negociar com trabalhadores, que defenderam o latifúndio contra os direitos indígenas e que são a favor do oligopólio midiático (como Paulo Bernardo e Gleisi).
“O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro concluiu o inventário do arquivo do presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), coordenado pela professora Regina Wanderley. Ele contém 475 itens documentais e centenas de fotografias. O acervo foi doado em 2004 ao instituto por Roberto, filho e assessor especial do general. (…)
Lá confirma-se a história segundo a qual ele guardava dois telegramas de senadores do partido governista expedidos depois da edição do Ato Institucional nº 5. Era um amuleto para lembrar-lhe a fidelidade dos políticos. No primeiro, 20 protestavam. No segundo, 34 apoiavam o AI-5. Até aí, jogo jogado, mas sete assinaram os dois. Médici guardou também uma representação do ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, ex-reitor da Universidade de São Paulo e ex-diretor de sua Faculdade de Direito, propondo a cassação dos 20 signatários do primeiro telegrama. Passaria na lâmina figuras como Milton Campos, Ney Braga, Daniel Krieger, Carvalho Pinto e Teotonio Vilela. Se “Gaminha” tivesse prevalecido, a ditadura tomaria outro rumo, mais radical.”
(Elio Gaspari, Folha de S. Paulo e O Globo, 6 de Agosto de 2014)
“No dia 12 de dezembro, ele desembarcara no Rio de Janeiro a bordo de um avião Caravelle, num vôo da Cruzeiro do Sul, proveniente de Brasília. Deixara a capital no fim da tarde, logo depois da votação do Congresso, que decidira não permitir a licença para Márcio Moreira Alves ser processado por seus pares. Naquela ocasião, o Congresso trabalhava ao ritmo desse vôo da Cruzeiro do Sul – fazia Rio-Brasília às terças e retornava às quintas. O líder da Arena rebelde entrou no vôo com Renato Archer, Daniel Krieger, Ney Braga e Teotônio Vilela. Subiram a escada e, logo na primeira fileira, deram com o ministro da Justiça, Gama e Silva, e com o coronel Sizeno Sarmento, comandante do I Exército. Estavam os dois com o semblante fechado. Gama e Silva já levava em sua pasta o rascunho de uma versão do AI-5. ‘Quando a porta do avião se abriu, havia um mar de milicos esperando o Gama e o Sizeno na pista do Galeão’, lembra Raphael de Almeida Magalhães. ‘Tivemos certeza, naquele fim de tarde do dia 12, que o governo se irritara profundamente com o desfecho do episódio Márcio Moreira Alves – e que alguma reação estava sendo preparada.'”
(Fábio Altman, Revista Época, 6 de Dezembro de 2010)
“Em torno de Aureliano estava, basicamente, a facção “Pró-Diretas” do PDS — oito senadores e, no máximo, 35 deputados. Na última semana de março, depois de discursar na Assembléia Legislativa de Santa Catarina, o Vice-Presidente julgou ser ainda “cedo” para saber se esse grupo apoiaria uma candidatura oposicionista, caso a Emenda Dante de Oliveira— das “diretas já” — fosse rejeitada, a 25 de abril.
Na visão de, ao menos, um fiel aliado de Aureliano, a votação da Dante de Oliveira era uma cartada decisiva. Segundo o ex-Governador do Paraná, Ney Braga — um dos coordenadores da campanha aurelianista — o, derrotadas as diretas, só restaria ao Vice e a seus liderados a marcha com o candidato da Oposição ao Colégio Eleitoral. Até porque, no diagnóstico de Braga, a postulação do Vice-Presidente, pela via indireta, era como um doente que não mais reagia à medicação: estava destinada a morrer por asfixia.”
(Gilberto Dimenstein em “O Complô que Elegeu Tancredo”)
Prezado Bernardo:
Essas três passagens mostram como você está equivocado. Ney Braga não teve influência em todos os governos militares.
Ney foi contra o AI-5 de Costa e Silva, quase cassado por Médici e a favor das Diretas Já (portanto, contra Figueiredo).
Ney foi a favor de Castello, que queria eleições diretas, e de Geisel, que iniciou o processo de abertura política.
Estou sempre a disposição para debater a vida pública de Ney para contribuir para que a verdade prevaleça.
Marcus V. Braga Alves