Anúncio da terceirização achado na internet.

Anúncio da terceirização achado na internet.

No último ano, tenho priorizado escrever textos sobre temas gerais ou temas relativos ao Paraná e raramente produzi algo relatando alguma situação específica de outro estado. Mas ontem (quarta-feira) recebi um e-mail com uma carta de trabalhadores de um Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e outras drogas (CAPS-Ad) da cidade de São Paulo que me sensibilizou; depois disso, quando fui no acampamento da greve dos trabalhadores da educação estadual do Paraná vi que este tema também estava em debate por lá.

A carta dos trabalhadores do CAPS-Ad (que segue reproduzida abaixo) coloca as dificuldades do trabalho cotidiano numa instituição gerida por uma Organização Social (OS), onde os trabalhadores não tem estabilidade. Como a carta mostra, os trabalhadores tem sua autonomia profissional comprometida e são ameaçados pela direção da instituição a não fazerem determinados procedimentos que garantem um maior “empoderamento” dos usuários e respeito aos direitos humanos.

Ao longo dos últimos anos, muitas vezes falamos do impacto da terceirização nas condições de trabalho. Mas a carta desses trabalhadores de São Paulo mostra que a terceirização também tem impacto direito sobre o tipo de trabalho a ser desenvolvido, na autonomia dos profissionais para executarem suas tarefas cotidianas. Tem, portanto, um impacto direto para o usuário!

Na greve dos trabalhadores da educação, ouvi relatos de professores contratados via PSS (Processo Seletivo Simplificado) sobre como estava difícil resistir as pressões de alguns diretores de escola e da SEED (Secretaria Estadual de Educação) que estavam ameaçando de demissão os trabalhadores contratados por este tipo de vinculo que aderissem ao movimento grevista.

O PSS é uma forma de contratação temporária, renovada anualmente, onde estudantes e graduados podem dar aulas nas suas respectivas áreas ou em áreas onde concluíram pelo menos 180h de estudo (um arquiteto, por exemplo, pode dar aulas de Sociologia caso tenha feito duas disciplinas desta área em sua graduação na universidade). No Paraná, cerca de 25.000 profissionais da educação (aproximadamente 25% do total) do estado são contratados desta forma.

Além de possibilitar ameaças e intimidações aos professores, fica evidente que este método de contratação prejudica a qualidade do ensino.

Esses exemplos vão mostrando que o verdadeiro motivo da terceirização não é a redução de custos e sim a possibilidade de enfraquecer a autonomia profissional e a organização coletiva dos trabalhadores.

Veja abaixo a carta dos trabalhadores do CAPS-Ad do Complexo Prates (São Paulo):

Carta aberta

  • Considerando que o CAPS é fruto da reforma psiquiátrica, conforme lei 10216/2001, e que por isso deve conceber o sujeito em seu meio, sem isolar sua psicopatologia do contexto em que ele se encontra;
  • Considerando os princípios do SUS (Sistema Único de Saúde), que entende o CAPS como o núcleo de uma nova clínica, produtora de autonomia, responsabilização e protagonismo;
  • Considerando os princípios do SUAS (Sistema Único da Assistência Social), que incentiva o controle e monitoramento de seus equipamentos praticado pelos usuários dos serviços;
  • Considerando os preceitos previstos pela RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) de articulação de rede intra e intersetorial e também a definição de protagonismo enquanto “atividades que fomentem a participação de usuários e familiares nos processos de gestão dos serviços e da rede, como assembleias de serviço, participação em conselhos, conferências e congressos, a apropriação e a defesa de direitos, e a criação de formas associativas de organização”;
  • Considerando os objetivos das Irmãs Hospitaleiras, que preconizam a oferta de saúde integral, com um caráter eminentemente humanizador, qualidade relacional e respeito pelos direitos da pessoa;
  • Considerando os princípios da Redução de Danos, que relembra que o cuidado do usuário de drogas não considera apenas os danos que as substâncias causam a ele, mas também os danos causados pelo contexto sociocultural e político no qual ele se insere;
  • Considerando que a população em situação de rua compõe um grupo de excluídos de direitos sociais e que tal exclusão favorece o uso problemático de drogas;

Nós, trabalhadores do CAPS AD III Complexo Prates, entendemos ser de nossa competência o desenvolvimento de ações de empoderamento dos usuários. Trata-se do cumprimento de todos os princípios citados acima e do exercício de um papel que nos foi dado. Se o fazemos, não é por escolha pessoal ou institucional, mas atuação ética prevista por lei no desempenho profissional da equipe técnica de um CAPS.

Quando nos posicionamos em relação ao não uso do jaleco – que nos distancia, desiguala e rotula; quando defendemos a nossa presença em conflitos de usuários com a GCM por acreditarmos que “quando a polícia entra, não precisamos sair”; quando incentivamos os usuários a ocupar espaços de luta pelos seus direitos; em todos esses casos, estamos reafirmando que esse fazer não é apenas dos trabalhadores que o praticam, mas das instituições que representam nesse exercício, visto que nenhuma defende o fim dos direitos humanos ou a criminalização da dependência química.

Desta forma, reiteramos nosso repudio a qualquer inibição de ações relacionadas a esta prática, bem como nossa indignação frente a qualquer tipo de punição dispensada aos profissionais que as executam. Dentre tantas outras situações de represália, temos o exemplo recente do afastamento imposto da gerente deste serviço após apresentar postura condizente com os pressupostos elencados e com a opinião da equipe. 

Em nome do sofrimento causado pela não garantia do direito a voz, tanto de usuários como de trabalhadores, solicitamos apoio e incentivo para que as atividades aqui mencionadas sejam concretizadas e sustentadas pelos serviços que, idealmente, as propõem.

Assinam esta carta, de forma unânime, os trabalhadores do CAPS AD III do Complexo Prates.