CONTRA-REFORMA-POLITICA1-300x226*Esse texto só foi possível devido ao parecer jurídico elaborado pelo escritório Mazura, Oliveira & Libardoni Advogados Associados

No dia 30 de setembro de 2015 foi sancionada a Lei 13.165, que altera uma série de regras da legislação eleitoral brasileira. E, por mais incrível que possa parecer, a legislação ficou pior, favorecendo o caciquismo e diminuindo as possibilidades de alternativas eleitorais não estabelecidas ficarem conhecidas do grande público.

Primeiramente, é importante dizer que a mudança se deu “em cima do laço”, visto que a legislação precisaria ser alterada até 02 de outubro para que pudesse valer para as eleições de 2016. Isso é um problema visto que uma das mudanças foi o prazo de filiação para ser candidato, que passou de 1 ano para 6 meses. Ou seja, a regra anterior que era preciso estar filiado até 02 de outubro de 2015 para poder ser candidato em 2016; dois dias antes dessa data, a regra foi mudada e agora será preciso estar filiado até 02 de abril de 2016. Essa falta de estabilidade, como já apontei em outra ocasião, só favorece os grandes partidos, que tem mais estrutura e se adaptam mais facilmente, e prejudica o envolvimento e participação daqueles que não são diretamente envolvidos com a política. Afinal de contas, como é possível fiscalizar algo que desconheço e/ou que vive mudando de regra?

Mas o prazo para filiações não foi a única mudança. Também mudaram o tempo de campanha, a data das convenções, tamanho das chapas proporcionais, o tamanho do horário de TV, limites de gastos, a regra para a definição de quem são os eleitos, entre outros pontos. O que ocorreu foi o inverso da reforma política que precisamos, pois a lógica que ordenou a nova lei é excludente, visto que pretende que as eleições sejam mais clean, ou seja, com menos envolvimento, menos debate, menos barulho, etc. Veja os principais pontos:

1) Tempo de campanha e a data das convenções:

Até 2014, as campanhas começavam 90 dias antes das eleições e as convenções (que oficializam os candidatos e candidatas) eram realizadas entre 10 e 30 de junho do ano da eleição. A nova lei diminuiu o tempo de campanha para 45 dias e mudou a data das convenções partidárias para o período de 20 de julho a 05 de agosto. Só que a lei não alterou a data em que servidores públicos precisam se licenciar dos seus locais de trabalho, que continua de 90 dias antes da eleição. Só que os candidatos precisarão se licenciar antes de serem oficializados (o que só ocorre na convenção), o que certamente vai gerar problemas.

Com menos tempo de campanha, perderão espaço aqueles que não tem uma publicidade durante o resto do ano. O trabalho será facilitado para aqueles que já são conhecidos, que são apresentadores de TV, jogadores de futebol, cantores, etc. O espaço para alternativas e para novos nomes está menor.

O menor tempo de campanha também é prejudicial para os que fazem campanhas militantes. Para quem não precisa pagar cabos eleitorais, um tempo de campanha maior é melhor. O menor tempo facilitará a vida daqueles que compram  cabos eleitorais e que reclamavam que 3 meses era “muito tempo de contratação”.

2) Tamanho das chapas proporcionais:

Até 2014, as chapas proporcionais poderiam ser formadas por até 150% das vagas a serem disputadas no caso do partido não fazer coligação e até 200% no caso de ser formada uma coligação. Ou seja, no caso de Curitiba, onde são 38 vagas na Câmara Municipal, um partido sozinho poderia lançar até 57 candidatos a vereador e uma coligação poderia lançar até 76 candidatos a vereador (internamente, na coligação, um partido poderia ter 75 candidatos e o outro poderia ter apenas 1).

A nova Lei não altera esse critério para cidades com até 100.000 eleitores. Mas, nas cidades com um contingente de eleitores maior do que 100.000, a legislação agora prevê que, com coligação ou sem coligação, as chapas poderão ter até 150% do número de vagas. Essa medida irá, na prática, limitar o número de coligações para as eleições proporcionais, tendo grande impacto para os partidos de aluguel. É, certamente, a menos pior das mudanças trazidas pela “reforma”.

3) O tamanho do horário de TV:

A ideia de que o horário eleitoral é muito chato foi vencedora. Apesar disso ser, em grande parte, verdade, é importante entendermos que o horário eleitoral é uma forma de serem apresentadas as propostas diretamente pelos candidatos. E, vale lembrar, as propostas dos candidatos servem para o debate do que é melhor para nossas cidades, estados e para o Brasil. Ou seja, o problema não é o horário eleitoral em si, mas o conteúdo que é nele apresentado.

Até 2014, tínhamos, nas eleições municipais, 30 minutos para a candidatura majoritária (3 vezes por semana) e mais 30 minutos para as candidaturas proporcionais (também 3 vezes por semana). Esse tempo era dividido de modo proporcional, sendo 2/3 conforme a bancada de deputados federais dos partidos da coligação e 1/3 de modo igualitário entre as coligações. Essa regra já permitia bastante distorções, com partidos tendo direito a 50 segundos do mesmo modo que outros tinham direito a 10 minutos.

O tempo foi diminuído drasticamente: agora o tempo para as candidaturas majoritárias é de 10 minutos por dia, 6 dias por semana. Como já dá pra perceber, o tempo de tv para candidaturas proporcionais acabou. É mais uma medida para dificultar o aparecimento de alternativas.

Mas não é só isso: a divisão do tempo também mudou. Agora, 90% do tempo será conforme a bancada de deputados federais e 10% será dividido igualitariamente. No caso do PSOL, deveremos ter de 10 a 15 segundos de TV.

Mas pelo menos a autonomia de mostrar o que queremos foi preservada, né? Não, nem isso! Agora temos “itens obrigatórios” para a propaganda eleitoral, como a exigência de que o candidato esteja sempre presente. Isso proíbe programas como o do PSOL-Paraná em 2014, que era justamente uma forma de driblar o pouco tempo (o programa chamava bastante atenção e convidava todos para acessar um site).

4) Limite de gastos e prestações de contas:

Essa é das poucas medidas que pode ser chamada de positiva, ainda que muito limitada. Isso porque o limite de gastos será calculado com base nos gastos das eleições de 2012, que já foram bastante altos. No caso das eleições para a Prefeitura, onde não houve segundo turno, poderá ser gasto até 70% do maior gasto declarado para Prefeito; onde houve segundo turno, poderá ser gasto até 50% do maior gasto; e, no caso das eleições proporcionais, o limite volta a ser 70% do maior gasto declarado para vereador.

As prestações de contas deverão ser realizadas pelo próprio candidato, estando os partidos, coligações e candidatos obrigados a divulgar em 72 horas as doações de campanha, e no dia 15 de setembro um relatório de receitas e despesas, através do site do TSE. Não há menção à exigência de contador e advogado (o que é um fator de elitização da campanha), mas esta exigência também não estava prevista na redação anterior da Lei 9.504. Assim, é necessário esperar Resolução do TSE sobre o tema, para saber se haverá a necessidade de contratação de profissionais.

5) Mudança no quociente eleitoral:

Até 2014, a proporcionalidade do quociente era direta. Ou seja, se o partido atingisse 1 eleito pelo quociente, o mais votado entrava. Se atingisse 2, os dois mais votados entravam e assim sucessivamente (veja aqui como era calculado o quociente eleitoral).

Agora é preciso atingir o quociente e ter o candidato mais votado do partido com pelo menos 10% de votos do quociente. Ou seja, em Curitiba, por exemplo, temos que fazer 25000 votos e ter pelo um candidato fazendo 2500 votos. Senão, nada feito!

Isso é ruim porque cria mais uma barreira e exige uma maior individualização das campanhas. Antes, “tanto fazia” votar na legenda ou num candidato. Agora, não! Se muita gente votar na legenda, pode enfraquecer a votação do candidato mais votado e aí ele pode não atingir os tais 10%. Com essa regra, o PSOL não teria eleito um vereador na cidade de SP em 2012.

Todos os eleitos tem que atingir os 10%. Haverá vagas para quem não atingir, mas muito poucas, dependendo da quebra e da redivisão. Essa mudança prejudica aqueles partidos que tem alto número de votos de legenda. Esse votos, sempre é bom lembrar, são tradicionalmente altos em partidos ideológicos e/ou temáticos.

6) Propaganda na rua:

As propagandas de rua também foram reduzidas. Diferente do resto do ano, onde são permitidos caminhões de som, cavaletes, e propagandas penduradas em postes, quase mais nada é permitido para as campanhas eleitorais. Ou seja, para vender um produto, pode; para debater ideias, não pode. As placas, que poderiam ser de até 4m², agora tem que ser de até 0,5m².

Esse mecanismo também prejudicará as grandes campanhas. Mas estas ainda conseguirão propagandear seus candidatos com propaganda antecipada de TV (no caso de parlamentares já eleitos e/ou de radialistas, apresentadores, etc) ou com seus cabos eleitorais pagos. No caso das campanhas militantes, a diminuição do tamanho das placas é mais uma forma de limitá-las. Aqui, também, uma ideia liberal, antipolítica, foi vencedora.

7) Debate eleitorais:

Por fim, o mais escandaloso: as emissoras de TV só serão obrigadas a chamar para os debates de TV candidatos de partidos e/ou coligações que tenham pelo menos 9 deputados federais. Essa regra irá barrar o PSOL da maior parte dos debates de TV do Brasil (digo que é a maior  parte visto que há emissoras que chamam todos e também há lugares em que os candidatos do partido tem tanta intenção de voto nas pesquisas que devem ser chamados de qualquer forma).

Mas… e aqueles candidatos do PSOL que cresceram por sua aparição em debates? Só pra falar de 2014, temos a Luciana Genro e o Prof. Tarcisio (candidato a governador no RJ) como bons exemplos dessa situação. Com essa nova regra, eles não teriam aparecido e tido a repercussão que tiveram.

Essa regra poderá ser questionada na justiça, visto que foi alterada no “meio da partida”. Isso porque a regra anterior estabelecia que as emissoras eram obrigadas a chamar aqueles que tinham pelo menos 1 deputado federal. E foi com essa regra que o PSOL disputou as eleições de 2014, momento em que foram eleitos os deputados federais. Só que a nova regra muda isso. Caso já soubesse disso, o PSOL (e outros partidos também) poderia ter se preparado de outra forma, priorizando candidaturas a deputado federal. Mas, mesmo que uma ação judicial seja vitoriosa, essa mordaça seria apenas adiada, podendo valer já para as eleições de 2020.

Uma reforma para que as alternativas não sejam, de fato, alternativas!

Quando colocamos ponto a ponto, percebemos que o objetivo dessa reforma foi impedir que, diante de uma crise política brutal vivida pelo país, possam ser construídas alternativas realmente diferentes dos pólos que dominam atualmente a política brasileira. Foi uma reforma para deixar que apenas o PSDB e a oposição de direita possam aparecer como alternativas políticas perante o desgaste do PT.

Mais do que nunca, nossa militância deverá se voltar para o trabalho de base cotidiano, visando que essa situação seja revertida, em favor de um sistema político mais democrático e que não seja pautado pelo poder econômico.