mcflyPublicado originalmente no Blog Amenidades.

“Caro Marty McFly,

Espero que você leia essas linhas ao desembarcar do DeLorean neste 21 de outubro de 2015, no que agora se torna o presente, e não mais o futuro. Depois de uma viagem instantânea pelos últimos 30 anos (na verdade, quase 60, visto que você acabara de chegar de 1955 quando viajou para cá), você poderá ver que muitas das suas expectativas deram certo.

Mas, infelizmente, temos um futuro como o imaginado por você apenas nas piores coisas. Os políticos continuam se elegendo com plataformas que, de tão genéricas, não dizem nada, trabalhadores ainda são demitidos sem justificativa, o machismo continua sendo uma marca de nossa sociedade e as “gangues de bullying” estão mais presentes ainda nas escolas.

Por outro lado, já deves ter percebido que o DeLorean é o único carro que voa nas nossas cidades e que, na verdade, temos ficado cada vez mais presos no trânsito caótico. São apenas suas roupas que secam e se adaptam ao corpo imediatamente e uma pequena porção de comida ainda não vira uma pizza com uma simples esquentada no micro-ondas.

Quero, mesmo assim, desejar-lhe boas vindas nesta sua chegada. Espero que não caias no conto final da ganância e que consigamos de fato construir uma sociedade que possa ser chamada de futuro.

Abraços,

Bernardo Pilotto, seu fã”

Hoje, 21 de outubro de 2015, é a data em que Marty McFly, sua namorada e o Dr. Brown chegam ao futuro, na cena que praticamente dá início a segunda parte da trilogia De Volta Para o Futuro. Filmes de estupenda bilheteria logo ao serem lançados, eles marcaram época e criaram um imaginário do que seria o futuro.

Posso dizer que sou da geração do De Volta Para o Futuro. Apesar de não ter visto o volume 1 nos cinemas, diferente do 2 e do 3, em que fui assistir logo que foram lançados no Brasil. Ainda era muito criança e demorei muitos anos a compreender a trilogia, especialmente os fatos que acontecem no “1985 alternativo” do volume 2.

Num momento que estávamos começando a ter acesso a computadores e telefones sem fio, as expectativas com nosso futuro geravam muitas curiosidades. Talvez seja daí que tenha vindo tanto interesse pelo filme.

 E, apesar de ser um filme hollywoodiano, ele tem aspectos muito interessantes. Primeiramente, a trama se entrelaça de modo quase perfeito, num filme onde praticamente todas as cenas tem alguma importância e significado.

Além disso, as previsões sobre o futuro e a leitura sobre o passado trazem ironias sobre a mesmice de nossa sociedade. É assim com candidaturas a prefeito que, em 1955, 1985 e 2015, fazem as mesmas propostas políticas absolutamente genéricas, é assim com o espanto com o fato de Ronald Reagan ser presidente dos EUA em 1985. O falso moralismo da “família tradicional” também é evidenciado, especialmente nas cenas onde a mãe de Marty McFly dá em cima de “Calvin” em 1955.

Ao visitar o passado, o filme nos confronta com questões óbvias, que justamente por isso nos fazem ter um olhar mais aguçado sobre alguns mecanismos de nossa vida social. A cena em que Marty é chamado de Calvin Klein, por exemplo, pois isto tá bordado em sua cueca, escancara o fetiche pelas marcas (terá sido essa a inspiração de Naomi Klein para seu “NoLogo“).

Por outro lado, as utopias tecnológicas de 2015 são quase todas furadas: não temos carros voadores, uma pequena porção de comida ainda não se transforma em pizza, nossas roupas não se adaptam automaticamente ao nosso tamanho, muito menos secam rapidamente após as chuvas. E, antes que eu esqueça, não temos skates voadores.

Já no volume 2, quando Marty chega ao ano “1985 alternativo”, somos confrontados que uma fina crítica social: por conta de ser controlada por um grande magnata e ser mais desigual, a cidade de Hill Valley está super violenta, quase como num estado de barbárie, da lei da selva do mais forte.

No fim das contas, a trilogia poderia ter sido lida como um “grito de alerta”. Mas acabamos observando apenas as utopias tecnológicas do filme, que eram as mais previsíveis que dariam errado. Devíamos, de verdade, ter observado as “distopias comportamentais”, essas sim mais preocupantes, especialmente porque a previsão do diretor do filme foi exata, infelizmente (como já explicamos acima).

*Se você tem menos de 25 anos, provavelmente nunca assistiu a trilogia De Volta ao Futuro com a atenção que ela merece. Agora que, finalmente chegamos ao dia 21 de outubro de 2015, já passou da hora de você ir atrás e ganhar umas 3 horinhas assistindo os filmes. Em Curitiba, você poderá assisti-la no Shopping Muller (afinal, este era o único shopping em Curitiba quando ofilme foi lançado) ou na Cinemateca, neste caso de graça.