maxresdefaultPor Bernardo Pilotto* e Xênia Mello**

Assistimos, hoje cedo, ao novo vídeo do grupo Tesão Piá, chamado “Busão – Parte 1“, até com uma certa empolgação. Isso porque achamos que, entre os diversos grupos de humor, esse trouxe algumas novidades para o cenário local, especialmente por resgatar vários elementos da identidade curitibana (e não só da identidade daqueles que moram na área modelo da cidade), inclusive o sotaque, algo que era negado por muitas pessoas (sempre ouvimos dizer que em Curitiba falava-se o “português” e que sotaque era coisa de outras cidades).

Mas alguns pontos do vídeo nos decepcionaram: ao invés de investir em um humor criativo, o vídeo acaba indo pro “mais do mesmo”. E incentiva questões que deveriam estar sendo repudiadas.

É assim, por exemplo, na cena que um homem “encoxa” uma mulher. Contudo ao descobrir que se trata de uma mulher trans se coloca na arrogância de se sentir ofendido ainda que tenha se valido do abuso para atingí-la. Tal cena é repudiável e transfóbica por três questões: afirmar que é negativo e temerário um homem se relacionar com uma mulher trans, estabelecer que mulheres trans estão dispostas a ser assediadas bem como fetichizá-las, e por fim naturalizar a prática horrenda do assédio. Isso num momento em que começam as primeiras campanhas institucionais contra essa violência. Ou seja, no momento em que até a Prefeitura de Curitiba e o Metrô de São Paulo estão combatendo essas ações (ainda que de modo bastante questionável), o vídeo do Tesão Piá ainda insiste nelas, ignorando o sofrimento que todos os dias mulheres estão submetidas.

Outra cena que pode e merece ser questionada é a da freada do ônibus, que traz questões parecidas com a que citamos acima. Mais uma vez, a cena repete o senso comum e usa o humor para “dar soco” naqueles que já “tomam soco” todos os dias, naturalizando práticas de assédio tão denunciadas pelas mulheres que fazem uso do transporte coletivo. A cena é repudiável porque reforça o senso comum de que são as mulheres quem provocam o assédio, como se elas se jogassem no colo dos homens; pior, reforça também a culpabilização da vítima na medida em que as mulheres se desculpam pelo assédio sofrido, ou que o suposto “acidente, freada” justificasse o homem se valer do abuso. Num cenário em que crianças e mulheres são estupradas nos coletivos, uma cena assim não contribui ao enfrentamento e ignora a violência sofrida por crianças e mulheres. Além disso há uma sequência preconceituosa, mais um lugar comum do humor raso, afinal de contas, porque um homem cadeirante não pode ser feliz junto com um homem gordo? Da mesma forma que na cena já citada, mais uma vez há um incentivo, ainda que velado, ao abuso sexual.

É uma pena que o Tesão Piá vá entrando na onda do mais do mesmo, da “linha de menor de resistência”, do atalho ao sucesso, na rota da repetição do senso comum. É importante a denúncia de que muitas vezes as pessoas no coletivo não respeitam regras de civilidade como retirar a mochila das costas e evitar ouvir música sem fones de ouvido, contudo isso não dá abertura para que a reprodução de preconceitos e a naturalização da violência, ainda mais do abuso sexual, sejam colocadas.  Ainda dá pra reverter e o humor feito por outros grupos no Brasil vem mostrando que é possível ter sucesso com um humor que agregue crítica e conteúdo*.  Vamos lá Tesão Piá!

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*Bernardo Pilotto é sociólogo e trabalhador do HC/UFPR, militante do PSOL desde 2005. **Xênia Mello é advogada, feminista e trabalhadora da UTFPR. É pré-candidata a prefeitura de Curitiba pelo PSOL.