Governo lança Programa de Investimento em Energia Elétrica - 11/08/2015 - BSBEste texto não busca ser conclusivo e procura apenas sistematizar algumas questões que vieram a debate nos últimos dias. Acredito que isso é importante, entendendo também que as distintas posições existentes no campo da esquerda brasileira (especialmente entre os setores que se configuraram ao longo do tempo como “oposição de esquerda” aos governos petistas) não devem ser demonizadas.

Até porque, com a dinâmica que estamos, uma posição demonizada de hoje pode ser a posição que seja obrigatória amanhã e vice-versa. Nem os contrários ao impeachment podem ser acusados de “capituladores governistas”; nem os favoráveis a novas eleições ou fórmulas parecidas, podem ser acusados de “jogo da direita”.

Primeiramente, é preciso dizer que não é evidente que o impeachment será aprovado na Câmara dos Deputados. E, contraditoriamente, o desembarque do PMDB pode ajudar o governo na sua jornada para se salvar. Isso porque os Ministérios anteriormente ocupados por este partido estão sendo distribuídos para partidos menores que tem tradição em uma espécie de “fome institucional” (o deputado Ricardo Barros, do PP/PR, chegou a dizer que seu partido sempre apoiará os governos).

Para que seja aprovado, é preciso que o impeachment seja apoiado por 342 deputados federais (2/3 do total, que é 513), independente do número de deputados que comparecerem a votação. Dilma precisa, portanto, de 172 “não-votos”, ou seja, que o número de votos contrários ao impeachment, as ausências e abstenções chegue a 172 votos. Considerando que os partidos fieis a Dilma (PT, PCdoB e PDT) têm 91 deputados, o governo federal precisa de mais 81 votos para evitar o impeachment. Para tal, precisa contar com parte dos votos do bloco PP/PSD/PR (que somam 122 deputados) e partidos menores, como o PTN (13 deputados), que já foi agraciado com a presidência da FUNASA (Fundação Nacional da Saúde). Já se sabe, também, que Dilma pode contar com alguma parcela de deputados do PMDB, PTB, PRB e PROS. Ou seja, é possível!

Ainda que as manifestações de 13 de março pró-impeachment tenham sido contundentes, os fatos que vieram posteriormente deram um fôlego ao governo. Desde lá, os sucessivos abusos de Sergio Moro e sua equipe (que passaram a ter um papel político no processo) geraram indignação de amplos setores da população, o que acabou por gerar grandes manifestações pelo país, pela “legalidade democrática e contra o impeachment”, nos dias 18, 24 e 31 de março (ainda que muitos dos que foram as ruas se declarem como oposição ao governo). Ou seja, a pressão tem ocorrido de ambos os lados. Muitos deputados, sentindo-se pressionados, podem simplesmente faltar na hora da votação.

Essa tática “das ausências” é conhecida da política brasileira: ela foi utilizada pelo governo militar na votação da Emenda das Diretas em 1984. Naquele momento, a Emenda precisava de 320 votos favoráveis (referente a 2/3 da Câmara dos Deputados da época). Foram 298 favoráveis, 65 contrários e 113 ausências. Essa tática também já é discutida publicamente, tanto é que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, anunciou que irá falar em alto e bom som o nome dos ausentes no dia da votação do impeachment.

Também, nesta última semana, assistimos a alguns recuos, pouco comentados, do juiz Sergio Moro e do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos principais membros da força-tarefa da Lava-Jato. Em uma atitude inédita até então, Moro pediu desculpas ao STF pelo vazamento dos áudios de Lula com Dilma. Ainda que isso surja como uma forma de ele garantir o sigilo da “Lista da Odebrecht”, que poderia trazer muitos prejuízos à oposição de direita, é algo também fruto da pressão de amplos setores que saíram as ruas e fizeram muitas manifestações em torno da “defesa da legalidade”. Por sua vez, o procurador Carlos Fernando elogiou os governos do PT pela autonomia que garantiram a PF e ao MPF e disse que isso não era uma prática dos governos anteriores.

Após essa sistematização sobre informações acerca da possibilidade do impeachment ser realmente aprovado, é importante debatermos os cenários que surgiriam com sua aprovação. E aqui o debate gira em torno da entrevista, publicada em 29/03, que a ex-presidenciável do PSOL, Luciana Genro, concedeu para o jornal Folha de S. Paulo. Na ocasião, Luciana Genro afirmou ser contrária ao impeachment e defendeu que novas eleições gerais fossem convocadas.

A repercussão da entrevista mostrou que essa posição é minoritária entre as parcelas progressistas e/ou de esquerda da sociedade, ainda que a medição disso se dê apenas pela análise da posição dos principais grupos organizados (e, como vimos em junho de 2013, nem sempre os grupos organizados representam o pensamento da maioria desse segmento). Infelizmente, a maior parte dos setores optou pelo linchamento da posição de Luciana, ao invés de refletir sobre ela. Inclusive a direção do PSOL, que se apressou em soltar uma nota contrariando Luciana, como se ela tivesse cometido algum delito ou tivesse descumprido alguma deliberação partidária (as instâncias nacionais do partido já se posicionaram contra o impeachment, mas em nenhum momento afirmaram que eram contra novas eleições). Aqui vale lembrar que o PSOL é um partido que preza pela pluralidade de posições dentro do campo da oposição de esquerda, o que torna ainda mais absurdo que tenha se emitido tão rapidamente uma nota sobre o tema. Luciana respondeu, como mostra o artigo que segue abaixo a este texto.

Mas a posição de Luciana merece ser considerada, ainda que ela signifique uma alteração das regras do jogo “no meio do jogo” sem uma garantia de que isso será para melhor. Merece ser considerada, ainda que não seja a melhor posição exatamente neste momento. Enfim, quais seriam os setores eleitos por estas eleições gerais? Haveria uma direitização ainda maior do parlamento? Essas são perguntas que pairaram entre aqueles que leram a entrevista sem preconceitos.

Pra jogar mais elementos ao debate, também nesta semana foi divulgada uma pesquisa de opinião pelo telefone, feita pelo Instituto Ideia Inteligência, com 10.000 pessoas, mostrou que apenas 10% acreditam que um governo de Michel Temer (o vice de Dilma, que assume caso haja o impeachment dela) será ótimo ou bom. Mas o dado mais significativo divulgado pelo levantamento foi que 55% preferem novas eleições ao invés da posse de Temer (33% se mostraram indecisos e apenas 12% ficam com Temer). A rejeição a Temer também foi expressa na coluna de Bernardo Mello Franco na Folha de S. Paulo e em outros segmentos da opinião pública, como no editorial da mesma Folha.  Após um pico de euforia pelo impeachment de Dilma, parece que os brasileiros passaram a refletir que seria ruim o PMDB ser governo pela terceira vez sem ser eleito (já foi assim com Sarney e Itamar). Do ponto de vista do grande capital e daqueles que querem a retirada de direitos sociais e um ajuste fiscal a qualquer custo, foi ficando óbvio que um governo Temer seria mais instável.

Considerando então que a eleição de 2014 foi feita com enorme influência do poder econômico, na base de mentiras e com dinheiro fruto de empreiteiras envolvidas no escândalo da Lava-Jato e que “novas eleições” é uma pauta apoiada por ampla parcela da população, não seria o caso de passarmos a disputar o caráter e as regras desse processo? Por outro lado, defender as “eleições gerais” como uma “solução dos problemas” não reforçaria essa institucionalidade que é frequentemente combatida por todos nos?

Entendo que a legalidade atual não pode ser fetichizada. Ainda que ela seja fruto de ampla mobilização popular nos anos 1980, houveram setores que votaram contrários a esta Constituição na Câmara dos Deputados (o PT, por exemplo). Sim, a legalidade é fruto e expressão da luta de classes do momento e, hoje, a correlação de forças é mais desfavorável as forças populares do que era nos anos 1980. Mas, por outro lado, já não temos o Congresso Nacional mais conservador desde sei-lá-quando, com um número de deputados conservadores que é suficiente para impor mudanças constitucionais? Seria possível piorar, mesmo com novas regras, mesmo com menor influência do poder econômico no processo eleitoral?

Essas perguntas não são, de minha parte, retóricas. São fruto das dúvidas desse momento político conturbado em que vivemos. Entendo, também, que a partir da posse de Temer haverá a “forçação” de barra para um consenso por parte da grande mídia, em torno de um “voto de confiança” no novo presidente. Em torno principalmente de um programa de ataque aos direitos da classe trabalhadora e da juventude. Se, em 1993, com um impeachment fomentado pelas forças populares não foi possível conseguir novas eleições, como conseguiríamos isso depois da posse de Temer, num processo que hoje é dirigido por setores reacionários? Não seria melhor, então, inserir a pauta das eleições gerais já durante o processo de impeachment, para que tudo viesse num pacote só?

Neste debate ainda deve entrar a relação da esquerda com o PT. E essa relação é importante visto que os governos petistas trouxeram também um enorme estrago para a construção das ideias de esquerda no Brasil, visto que elas passaram a ser associadas com medidas contrárias aos trabalhadores, corrupção, etc. Nesse contexto, visando uma necessária rearticulação das forças de esquerda por fora do PT e de seus parceiros, é importante que este partido não vá para a oposição a partir de uma narrativa de que foi golpeado. Se isto acontecer, a perspectiva da construção de uma esquerda autêntica será dificultada (sobre este raciocínio, clique aqui para ver texto de minha autoria acerca do segundo turno de 2014). E essa construção é fundamental para voltarmos a ter um protagonismo popular na política brasileira; enquanto isso depender de um protagonismo do PT, tenho certeza que não será possível virar realidade.

Dentro desse raciocínio, a instituição de um plebiscito para que essa decisão seja feito através do voto popular, seria uma boa medida. É, sim, uma “quebra da legalidade” e uma mudança “no meio do jogo”. E não seria a primeira em nosso país, visto que a emenda da reeleição foi aprovada na metade do mandato de FHC e a própria Emenda das Diretas propunha uma mudana na metade do jogo (e esta não foi aprovada). Mas, se viesse pra ficar, seria um bom mecanismo. Seria uma forma de evitar que governos se elegessem a partir de mentiras (já afirmei, em outra ocasião, que o estelionato eleitora tem sido a regra em nosso país). Seria mais uma forma de controle popular dos mandatos, tanto do Executivo quanto do Legislativo.

E, antes tarde do que mais tarde, vale lembrar que toda esta situação de crise política tem como fundo uma crise econômica, que só vem se agravando. E que as saídas para esta crise de parte do bloco do PT como do bloco do PSDB são todas com os maiores custos para os trabalhadores e a juventude, com retirada de direitos, corte de verbas nas áreas sociais, etc. Por parte do governo do PT, em nenhum momento há outra perspectiva; com a saída do PMDB, o “balcão de negócios” com os Ministérios só aumentou e Dima está se esforçando muito para ter um Ministério ainda pior do que estava com o PMDB. Ou seja, com Dilma e seu plano de ajuste, com Temer e sua “ponte para o futuro” ou com o MBL, a FIESP e o pato, os prognósticos para nossos direitos não são bons. Por isso, é preciso avançar ainda mais na construção de uma grande frente de defesa desses direitos, que consiga dialogar com a maioria da população indignada com a corrupção e os rumos do governo federal e dos governos estaduais.

Não podemos temer. Temos que lutar!

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