mais-medicosO surgimento do Programa Mais Médicos e a consequente vinda de médicos cubanos para o Brasil foi cercada de intensa crítica por parte das associações e corporações médicas. Na época, escrevi um texto (veja aqui) que buscava “limpar o meio de campo”, mostrando como a vinda de cubanos colocaria em xeque o modelo de medicina existente no Brasil. De alguma forma, esse debate retornará agora devido a renovação do Programa anunciada recentemente por Dilma.

O mais incrível é que os setores que são mais contrários ao Programa e, especialmente, a vinda de médicos cubanos, deveriam ser a favor dele. Isso mesmo: a direita, os conservadores, as associações médicas, deveriam ser a favor do Mais Médicos e da importação de médicos de outros países, especialmente de Cuba. Isso decorre do fato do Programa não ter um conteúdo transformador.

Além da vinda de médicos estrangeiros, o Programa prevê a expansão de faculdades de Medicina pelo interior do Brasil. Mas esta expansão, que não ocorreu até o momento, 3 anos depois de seu lançamento, poderá se dar pela via de faculdades particulares, que atualmente não cobram menos do que R$4 mil de mensalidade. Além disso, não há previsão de ampliação das residências médicas no interior do país, fazendo com que a maior parte dos estudantes voltem para os grandes centros para concluírem seus estudos.

O Programa Mais Médicos também institucionalizou o sistema de bolsas como a forma de contratação de trabalhadores médicos recém-formados. Essa forma de contratação exclui do trabalhador o direito a férias remunerada, 13° salário, FGTS, adicional de insalubridade e estabilidade, e ainda obriga os bolsistas a pagar o INSS como contribuinte individual, sem que haja a contribuição patronal (com isso, prejudica o sistema previdenciário como um todo).

Mas o principal motivo para que a direita seja a favor do Mais Médicos não está na forma de contratação dos trabalhadores ou por conta da abertura de cursos de medicina em faculdades particulares. O maior problema do Programa está no fato dele manter “tudo como está” no âmbito da formação e educação médica.

Atualmente, as faculdades de medicina no Brasil formam profissionais para um país que não existe. Ou que, talvez, exista para cerca de 10% da população.  Os cursos tem foco nas especialidades, no aspecto curativo (e não no preventivo) e numa medicina dependente de equipamentos de alta tecnologia. A medicina que é ensinada nas universidades brasileiras não serve para o Brasil. Saúde do trabalhador, indígena, parto humanizado, saúde LGBT, da população negra e da mulher são temas ausentes dos cursos ou ensinados de modo aligeirado e precário. Formamos especialistas na “ponta da orelha direita” que não sabem detectar uma verminose.

Uma das principais demandas que temos é, portanto, alterar a formação médica no Brasil. Se não mudarmos isso, continuaremos formando profissionais que “não pegam na gente” e que só trabalham se tiverem assistidos por grandes laboratórios (inexistentes na maior parte do Brasil).

Mas o Programa Mais Médicos caminha justamente na rota contrária. Com ele, o governo federal abdicou de fazer esta discussão de longo prazo e optou por resolver o problema apenas de modo imediato. Estamos importando os profissionais de outros países, a maior parte deles formados para a realidade brasileira (especialmente os cubanos), evitando assim que essa discussão seja feita por aqui. Mas até quando isso será possível?

Saiba mais:

Programa Profissão Repórter sobre o Mais Médicos

Sobre os “terríveis” médicos cubanos – Bernardo Pilotto

Solidariedade aos colegas cubanos e nenhuma ilusão com a política de saúde de Dilma – Setorial de Saúde do PSOL

“Mais Médicos” e a proposta de mais do mesmo – Moisés Nunes