*Este texto contou com a colaboração do camarada Carlos Pegurski.
De um tempo pra cá, o carnaval virou uma pauta na cidade de Curitiba. Em minha visão, fruto do crescimento do carnaval na cidade, principalmente devido ao sucesso do bloco Garibaldis & Sacis, que passou a atrair milhares de pessoas de uns anos pra cá. Em 2012, a ação violenta e bruta da PM suscitou um debate sobre a pertinência do bloco. Em 2013, a possibilidade de construção de um sambódromo na cidade tem levantado novas opiniões. Recentemente, o articulista Rogerio Galindo publicou coluna sobre o tema.
Na maioria das vezes, as opiniões da imprensa e dos leitores giram em torno da afirmação de que o carnaval “não é uma tradição local” ou de que o carnaval deveria acabar e/ou se transferir para o litoral do Paraná. Mais uma vez, tenta-se construir um mito, racista e elitista, de que Curitiba é uma cidade onde as tradições ligadas a cultura negra não tem vez e voz. “Aqui somos de origem européia, logo gostamos de chucrute e não de carnaval”.
Esse é, como a vida real não cansa de mostrar, um argumento falso. Ideia falsa fruto de movimentos culturais elitistas (como o “paranismo”) que tiveram força no início do século XX e semearam a visão de uma imagem que foi vendida como sendo de todo o Paraná (mas que não contempla nem mesmo Curitiba como um todo, muito menos o Estado). Apesar de ter tido auge até a metade do século XX, a ideologia paranista permanece forte, como podemos ver pelo debate anti-carnavalesco que tem se manifestado na imprensa.
Mas como pode Curitiba ser uma cidade europeia sem influência negra se a cidade foi fundada em 1693 (fins do século XVII) e a imigração de europeus ao Brasil só existiu a partir de meados do século XIX? Percebe-se então que o centro histórico da cidade foi construído com o suor dos escravos, na base do açoite. Para os “ideólogos de Curitiba”, ao lado de uma araucária cabe um eslavo, de olho azul, em uma casa rústica com lambrequim, ou em uma igreja rústica rezando pra nossa senhora de Czestochowa. Mas não cabe um negro, nem o samba, nem um terreiro umbandista ou candomblecista, nem seu barraco. Existiu sempre um processo de invisibilidade e marginalização.
E, apesar deste processo, as culturas negras permaneceram. E esta influência foi fundamental para que o samba existisse em Curitiba desde pelo menos os anos 1940. E, apesar de duramente perseguido, o samba agonizou mas não morreu. A força do Samba do Sindicatis e do Samba da Tradição estão aí para confirmar isso. A afirmação de que em Curitiba não há “vocação” para o carnaval é algo elitista e sem base histórica.
E o sambódromo?
Recentemente, as escolas de samba curitibanas protocolaram pedido para a construção de um sambódromo em Curitiba. Foi a crítica a construção deste espaço com dinheiro publico que motivou o artigo de Rogério Galindo citado acima.
Em várias cidades do país existem espaços para o desfile das escolas de samba chamados de sambódromo. O primeiro deles foi criado no Rio de Janeiro, em 1984, no governo de Leonel Brizola, idealizado por Darci Ribeiro e projetado por Oscar Niemeyer. Foi pensado para que não fosse um “elefante branco”: as estruturas de camarote funcionam como salas de aula durante o restante do ano e os carros circulam normalmente pelas ruas onde no carnaval acontece “o maior show da terra”. Também deveriam haver locais populares, que foram posteriormente transformados nas caríssimas frisas, vendidas quase que apenas em agências de turismo.
Portanto, é possível ter um sambódromo que seja público e que não seja um elefante branco, como os muitos que foram construídos Brasil afora.
O maior erro do carnaval carioca foi deixar a organização do carnaval para uma liga das escolas, que foi virando algo poderoso e infiscalizável, onde as denúncias de corrupção aparecem a cada carnaval. É esta liga que prepara um carnaval voltado aos ricos turistas, fazendo com que os moradores dos morros, que costuram as fantasias e mantém as escolas do ano, só consigam ir ao sambódromo como empurradores de carros alegóricos e/ou nas longínquas arquibancadas populares. A cada ano, conseguem elitizar mais o desfile, que foi ao longo dos anos perdendo sua qualidade.
Esta situação, alertada pelo PSOL durante a campanha eleitoral para prefeito do Rio de Janeiro em 2012, não pode se repetir em Curitiba. Não faz sentido a prefeitura da cidade construir um sambódromo se este for distante do acesso do publico, se for controlada por entidades privadas com interesse apenas lucrativo, se no carnaval não tiver transporte público 24h por dia. Não adiante fazer um evento para o público buscando a elitização da rua, como acabou se tornando a Virada Cultural.
Vamos consolidar e ampliar o carnaval curitibano
Apesar do senso comum da imprensa que vai continuar afirmando que Curitiba não precisa de carnaval, vamos continuar resistindo e lutando. E, como mostram os últimos anos, crescendo e ganhando mais adeptos.
Vivemos uma chance inédita: depois de muitos anos, o carnaval está movimentando a cidade. É a chance de ampliar os blocos, levando eles aos bairros, a outros locais. É uma grande chance de fortalecer as escolas de samba. É a hora do curitibano “sair do armário” e mostrar que faz samba também.
Já que as elites curitibanas não nos dão o direito de sonhar com uma cidade mais igualitária e justa, que nos dê, como no samba de Batatinha, o direito de sambar.
Maravilhoso texto Bernardo Pilotto, não só por colocar as verdades até sobre a fundação da cidade, como deixar escancarado a ferida racista que a “elite” da 5° comarca” pois esta elite ainda obedece a estética Paulistana careta” e vêem no carnaval.Aproveitam no Pré- Carnaval ou carnaval , o momento de soltar todo seu ódio a uma festa popular Brasileira, mesmo que esquecendo-se que Curitiba é sim Brasil, eles queiram ou não. O mesmo Brasil que recebeu todos os imigrantes de braços abertos, agora não pode os descendentes que por aqui ganham sua vida” por vezes explorando os trabalhadores” cortar os nossos braços abertos!!!!
Eu como um dos coordenadores do Bloco Garibaldis e Sacis te parabenizo pelo texto e discernimento de pensamentos.
ABRAÇOS!!
Bernardo, seu texto possui uma crítica serena: argumenta e educa… Parabéns mais uma vez!
Concordo plenamente com sua visão. Faço parte do carnaval curitibano há mais de 20 anos e posso assegurar que ele existe e resiste!!!
Carnaval em Curitiba é um erro, sob todos os vieses e sob qualquer enfoque.
Quantos carnavais vc passou por aqui, jovem?
concordo e discordo Bernardo…o mito criado encima do carnaval de Curitiba é mesmo verdadeiro e as escolas, principalmente elas são as grandes prejudicadas, e são também a real resistência, portanto credito para elas… O Garibaldis e Sacis tiveram a grande ideia e merito de fazer uma coisa que defendo e argumento faz tempo…anteciparam a festa na cidade mostrando ao curitibano que vai à praia curtir as praiabandas que aqui é maneiro “pular” tb…quanto às ligas das escolas do Rio…o preço “absurdo” é somente no desfile das escolas do especial, que são 12 e infelizmente quando a demanda é grande altera o preço…em tudo é assim naõ seria diferente lá, não há espaço para comportar todos que desejam assistir…existem mais 16 divididas nos outros dias do grupo de acesso que são maravilhosas tb e seus ingressos são na média 20 R$ e outras 80 divididas nos demais grupos onde os desfiles tb acontecem nas ruas e é muito rico culturalmente e as raizes continuam lá…por aqui…resta a eperança de um dia olharem o carnaval como um investimento e não uma despesa, para que as escolas possam fazer uma apresentação digna.