07MAI2010-Heitor-pessut_2A grande mídia expõe neste momento mais uma “crise” entre o governo federal (Poder Executivo) e o Congresso Nacional (Poder Legislativo), desta vez motivada pela aprovação, em Comissão Especial na Câmara dos Deputados, da PEC do “orçamento impositivo”.

Longe de significar uma crise entre esses poderes ou, mais ainda, entre PT e PMDB (a parceria foi reafirmada recentemente pelo PT), essa é apenas mais uma disputa dos blocos conservadores da política brasileira, no qual o PT se inseriu especialmente após 2003.

Se tal PEC for aprovada no plenário da Câmara e do Senado, o Poder Executivo ficará obrigado a executar as emendas aprovadas no Congresso. Para uma análise sobre o tema, é preciso uma primeira explicação sobre como funciona o atual sistema de emendas parlamentares, que é um dos pilares de sustentação do clientelismo e de um certo “mensalão” legalizado na relação entre Executivo e Legislativo.

O atual sistema

A regra atual permite que os parlamentares federais façam emendas ao orçamento do governo federal, no valor de até R$15 milhões. Se aprovada, a emenda fica sujeita a execução por parte do governo, que escolhe momentos específicos para isso.

Em geral, tais emendas são “liberadas” em momentos críticos ao governo, quando este precisa “abafar” uma CPI ou garantir uma votação importante para seu projeto político. É uma espécie de compra de votos, só que legalizada. Esse mecanismo é tão importante que há, dentro do governo federal, um ministério que cuida só disso (o Ministério da Articulação Política).

Esse é um dos motivos que muitos parlamentares eleitos por partidos de oposição acabam migrando para as bases governistas (o surgimento do PSD é o mais símbolo disso), visando assim garantir emendas que possam significar “obras” em sua “base eleitoral”, que por conseguinte vão “gerar” votos no próximo período eleitoral.

Entre 2000 e 2013, segundo dados do site da Câmara, o valor das emendas orçamentárias aumentaram 10 vezes, mostrando a importância desse mecanismo.

As emendas impositivas

Pela PEC, apresentada pelo deputado Édio Lopes (PMDB-RR), as emendas aprovadas no Poder Legislativo passarão a ser obrigatórias, dentro de alguns critérios, como estar em área escolhida como prioritária pelo governo, podendo ser contingenciada apenas em valor compatível com o contingenciamento global do orçamento (se o governo congelar 30% de seu orçamento, poderá suspender o pagamento de até 30% das emendas de deputados e senadores).

Essa PEC está sendo vendida como o fim da relação promíscua entre Legislativo e Executivo, visto que agora as emendas não dependerão da vontade do Executivo. Comemoram os deputados do PSDB, PPS e DEM, que tinham dificuldades de ver suas emendas liberadas e os do PMDB, que agora podem continuar “agradando suas bases” sem precisar se comprometer com o governo.

Mas a PEC não mexe numa questão fundamental: as emendas individuais do orçamento. A PEC mexe no clientelismo entre Executivo e Legislativo mas não altera o clientelismo entre o parlamentar e sua base eleitoral.

Quando uma emenda vira uma obra concreta (um posto de saúde, uma escola, etc), todos os políticos da região se juntam para a inauguração da obra. Neste momento, a grande estrela é o deputado/senador autor da emenda, que discursa como se a obra tivesse sido construída com seus recursos, omitindo que a construção de postos de saúde e escolas são obrigações do governo e são financiadas pelos impostos que compõe o orçamento governamental. Como a população tem a demanda desses equipamentos públicos, fica “agradecida” ao parlamentar e retribui no processo eleitoral.

No formato antigo ou com a aprovação da PEC da emenda impositiva, o fim das emendas individuais continua na pauta. Só desta forma é que poderemos romper com este sistema clientelista, que faz a disputa eleitoral virar um ranking de quem fez mais obras e não um espaço de debate sobre os rumos do país.

Para alterar a realidade política brasileira, necessitamos de um orçamento popular e participativo impositivo. A democracia que queremos é aquela que a população organizada impõe suas demandas aos governos.