agosto2003Uma data importante passou despercebida na última semana: o dia 06 de agosto marca os 10 anos da votação (e aprovação) da Reforma da Previdência na Câmara dos Deputados. Esse dia foi decisivo para a história política brasileira e para a definição dos rumos que seguiria o governo de Lula e do PT. A aprovação de uma reforma da previdência que nem FHC havia conseguido aprovar, na calada da noite, durante uma greve que mobilizava todo o funcionalismo público federal, com voto favorável da maioria dos deputados petistas, significava a disposição do PT em enfrentar sua base social histórica para aplicar uma medida que na época era uma exigência do FMI (Fundo Monetário Internacional).

Muita coisa já foi escrita sobre o caráter desta reforma, o papel que ela cumpriu no processo de construção do governo do PT, entre outros pontos. Gostaria de trazer algumas memórias da época, um momento que marcou muito minha militância.

O ano de 2003 marcou várias mudanças em minha vida: havia conseguido entrar na UFPR e estava tendo acesso a um mundo totalmente novo, da universidade, do movimento estudantil, festas, etc. Era também o primeiro ano do governo de Lula, o que gerava grandes expectativas e esperanças.

As aulas começaram apenas no dia 22 de abril (o calendário acadêmico estava atrasado devido a greve de 2001), mas eu já estava em contato com um grupo do movimento estudantil desde que havia sido aprovado no vestibular (em janeiro), devido a contatos que havia feito, ainda em 2002, por ter colaborado na campanha do deputado federal Dr. Rosinha.

E em março, nosso grupo (chamado de Coletivo Estudantil Outros Outubros) organizou uma reunião para debater o então polêmico projeto de reforma da previdência, que já naquele momento gerava indicativos de greve por parte dos técnico-administrativos (TAE’s) e professores da UFPR. A reunião, na antiga sede da APP-Sindicato no edifício Asa, contou com a presença do deputado federal Dr. Rosinha, que nos explicou porque aquela reforma era prejudicial ao conjunto dos trabalhadores e porque deveríamos apoiar e construir greves e mobilizações contrárias ao projeto do governo.

E a juventude fez a sua parte: estivemos presentes na greve dos TAE’s da UFPR, dos docentes da UTFPR, de órgãos como INSS e IBGE, nas reuniões do comando unificado de greve, audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo, marcha a Brasília. No parlamento, falava-se num grupo de “radicais do PT” que podia somar 30 deputados dispostos a votar contra a reforma (que havia virado a PEC-40).

Mas na “hora H” tudo virou pó. Os “radicais do PT” se resumiram a 3 deputados federais que votaram contrários a PEC-40 e mais outros 7 que se abstiveram. O restante, incluindo Dr. Rosinha, votou a favor da Reforma. Tentando evitar a pressão dos mais de 80.000 manifestantes que iam para a capital para o dia da votação, o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), antecipou a votação para o dia 05 de agosto e esta acabou por ocorrer na madrugada de 05 para 06 de agosto.

Foi muita indignação para um dia só. Naquele dia, Brasília amanheceu tomada por manifestantes de todo o Brasil, perplexos com a traição que haviam sofrido horas antes. Esse dia marcou uma guinada definitiva do governo e do PT para a gestão do capital, abandonando sua confrontação. Eu estava lá, mas gostaria de não ter estado. Gostaria que esse dia nunca tivesse existido.

E o “sim” na Reforma da Previdência foi o primeiro de muitos. Depois disso, a maior parte dos deputados que continuaram no PT se sentiram a vontade para aprovar muitos projetos com caráter privatista ou em sentido contrário à história do partido. Os argumentos e desculpas continuaram os mesmos durante todo esse tempo: “não há alternativas”, “é preciso disputar o governo por dentro”, “não há como desestabilizar o governo com voto não”. E assim foi se fortalecendo cada vez mais o caráter conservador do governo.

Nesses 10 anos, foi muito difícil construir uma alternativa ao petismo. Num país de imensas desigualdades sociais, a mínima política redistributiva do governo e a inclusão social pela via do mercado serviram para dar grande apoio ao governo. Mas os que apostaram no PSOL tiveram um importante papel: o de fixar um pólo aglutinador, mesmo que pequeno, para os ativistas que enxergavam vida política para além do PT. E é essa ousadia que deve ser lembrada 10 anos após o corajoso “não” do dia 06 de agosto de 2003!