Porque é uma demanda justa e urgente, que precisa ser reforçada
É justa para quase tod@s. O problema da mobilidade urbana está se tornado catastrófico na vida dos brasileiros. 55% dos paulistanos consideram o sistema de transportes públicos ruim ou péssimo. Os governos federal e estadual continuam estimulando a industria automobilística e nada fazem pelo transporte coletivo, degradando as condições de vida das grandes cidades e a saúde da população. Vivemos numa ditadura da sociedade do automóvel. As obras de mobilidade prometidas como o legado da Copa do Mundo para a melhoria das cidades ficaram no papel, na mais pura hipocrisia. Do jeito que as coisas vão, a feição das grandes cidades e de São Paulo em particular só vai mudar em 30 ou 40 anos.
É justa e urgente para os mais pobres. O transporte público nas grandes cidades brasileiras é um dos mais caros do mundo. Dezenas de milhões de brasileir@s tem gastar dezenas de horas por semana andando a pé porque o preço do transporte público não cabe em seus orçamentos – apesar de todo o alvoroço sobre a ascensão de uma “classe C”. Sem transporte público barato e de qualidade, qualquer acesso à cidade, aos seus serviços e suas possibilidades é propaganda vazia.
É necessária para criar uma grande pressão social para promover mudanças efetivas. Nenhuma discussão nos governos federal, estadual ou municipal sensibilizou, até agora, os poderes estabelecidos para a necessidade de se mudar a forma como as pessoas se deslocam na cidade, para mudar esta matriz de transportes obsoleta, injusta, insustentável e anti-ecológica. Só grandes movimentos de protesto popular, nas ruas, parando as cidades, podem alterar esta situação e levar a uma real inversão das prioridades das políticas públicas em todas as esferas do governo.
Porque precisamos reconquistar o direito de nos manifestarmos nas ruas
As ruas são de tod@s e não só daqueles que apóiam os governantes. Assistimos hoje a uma regressão dos direitos democráticos por todo o mundo. A repressão atinge inúmeros movimentos que buscam ocupar o espaço público para ganharem visibilidade e, por vezes, só é provisoriamente conquistada com a derrubada de governos (como no Egito). É insuportável, mesmo para as ditas democracias (isto é, governos eleitos por eleições livres), conviverem com protestos nas praças ou nas ruas. Os regimes políticos estabelecidos não conseguem conviver com protestos, suprimindo-os pela força, nos Estados Unidos, na Turquia ou no Brasil. Como destacou Clovis Rossi no seu artigo para a Folha, na Europa como no Brasil, “a democracia está flácida e não tonificada”.
O governo estadual agiu de forma arbitrária. A posição do Governo Alckmin sobre os protestos expressa a truculência e o despreparo dos governantes para lidarem com manifestações de oposição. A repressão à manifestação de quinta-feirafoi digna de qualquer ditadura pelo mundo afora e só por um acaso não produziu alguma vitima fatal. A truculência, que foi notícia no mundo todo, se expressa na forma indiscriminada como tod@s que passavam pelo local no momento foram tratados, com 234 manifestantes presos e 105 feridos – inclusive 15 jornalistas (e um jornalista preso porque carregava um recipiente com vinagre!) Tratam-se de uma polícia e um governo incompatíveis com uma vida democrática plena – relembrando a Republica Velha dos latifundiários: a questão social é caso de polícia.
A repressão em São Paulo é apenas a gota d’água. Temos visto repressões truculentas a movimentos grevistas nas obras das hidroelétricas da Amazônia e nas obras do PAC, aos protestos de Belo Monte, aos protestos indígenas no Mato Grosso do Sul e em outras regiões (com assassinatos de indígenas cometidos pela Polícia Federal), nos protestos ligados aos despejos para obras da Copa. De outro lado, no dia 15 de junho, ruralistas fizeram protestos em nove estados, com pleno respaldo dos governos. Para os amigos, tudo; para os inimigos a “lei”. Não há como negar: assistimos a uma onda de criminalização dos movimentos sociais. Fazer valer na prática o direito de ocupar o espaço que é de todos nós, que é público, se tornou uma questão candente.
Porque precisamos reverter a tendência conservadora que está se impondo no Brasil
O problema principal não são os vinte centavos, é o autismo dos políticos frente às necessidades da população. Quando, dos portos às rodovias, da saúde ao Estádio do Pacaembu, tudo é entregue às empresas privadas, o sentido do público se esgarça até se tornar irreconhecível. O PT na cidade de São Paulo, no governo Erundina, buscou implantar a municipalização do transporte público, mas encaminha, no governo Haddad, uma política de concessões às empresas de ônibus em São Paulo que pode chegar a R$ 46 bilhões! Alckmin e Haddad estavam juntos em Paris apresando o projeto de São Paulo à Expo 2020, nas palavras de Marcelo Rubens Paiva, “uma prova de que o poder vive num delírio megalomaníaco, ao passo que, quem leva 2h por dia para ir trabalhar, 3h para voltar, em ônibus entupidos e caros e enfrenta 200 km de congestionamento, vive a realidade”.
Uma onda conservadora está se impondo na política brasileira. Um conservadorismo religioso, incompatível com o Estado laico e a vida republicana, em questões como aborto, homossexualismo, drogas. Um conservadorismo que se manifesta no poder de veto que a bancada evangélica tem sobre as ações dos governos, afetando até as políticas de saúde. Um conservadorismo na adesão cada vez maior à soluções de mercado para todos os problemas, quando no resto do mundo estas fazem água. Uma política de ataque aos direitos dos mais vitimados pelo poder, com um destaque todo especial aos povos indígenas, mais uma vez alvo do latifundiários que cobiçam suas terras. Quando todos os olhos dos políticos estão voltados para a próxima eleição, ninguém quer desagradar a Santa Aliança de evangélicos e ruralista. Chega-se ao ponto de “passar a Funai ao Ministério do Agronegócio”. E um conservadorismo contra tudo que possa passar por ecológico: Belo Monte, usinas termoelétricas, Código Florestal e o extermínio daqueles que mantêm a floresta em pé!
O estado está tratando o povo como inimigo e isso é inaceitável. É nesse contexto que podemos fazer nossas as palavras de Marcelo Rubens Paiva: “a manifestação nesses dias em São Paulo ganhou o caráter que deveria: uma revolta coletiva contra um Estado que trata o indivíduo como um estorvo: o inimigo. Estado que, em vez de solucionar os problemas da violência, aterroriza, que gasta em estádios, não em metrô”.
É por tudo isso que precisamos ir à manifestação desta segunda-feira!
*Zé Correa Leite é professor universitário e militante do PSOL.