A polêmica voltou: na sua entrevista “da vitória” no Jornal Nacional, Dilma Roussef trouxe, novamente, a proposta de que uma reforma política seja feita a partir de plebiscito. A afirmação foi o suficiente para que a edição seguinte do mesmo Jornal Nacional fosse dedicada a formar opinião de que a reforma política é necessária, mas que deve ser feita na base de um referendo, jamais a partir de um plebiscito. Para tal, foram usadas opiniões de ministros e ex-ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), parlamentares da oposição de direita e presidente do Congresso Nacional.
As redes sociais repercutiram a entrevista de Dilma de diferentes maneiras. Os eleitores de Aécio repetiram, com menos qualidade, os argumentos trazidos pelo Jornal Nacional. Por outro lado, os eleitores entusiasmados de Dilma tentaram mostrar como “daqui pra frente tudo vai ser diferente”. Por fim, tivemos ainda os que afirmaram que a reforma política é algo muito complicado para ir a plebiscito e/ou referendo. Pois bem… vamos lá:
1) A reforma política não é única. Há várias possibilidades de reforma, algumas que aumentam a democratização do processo eleitoral e da democracia e outras que s restringem ainda mais. Por isso, o que deveria ir a votação popular são alguns pontos, como modelo de financiamento, forma de eleição de parlamentares e voto facultativo ou obrigatório. Não acredito que esses temas sejam tão complexos a ponto de não poderem ser deliberados amplamente. Na verdade, não há tema complexo o suficiente para que não possa ser debatido e deliberado. Muito pelo contrário, acredito que seria muito bom debater financiamento de campanha na padaria, no táxi, na escola, o que certamente aconteceria com um processo de consulta popular.
2) Plebiscito não é um modo de retirar poderes do Legislativo, visto que o próprio Legislativo pode ser o formulador das perguntas que vão para o processo plebiscitário. Também é preciso lembrar que o Brasil já decidiu seu sistema de governo por duas vezes em plebiscito: em 1993, quando escolhemos entre monarquia, presidencialismo e parlamentarismo, e em 1963, quando escolhemos entre o fim ou não do parlamentarismo (que havia sido criado em 1961 a partir das negociações fruto da renúncia de Jânio Quadros e da tentativa de golpe por parte dos setores conservadores). Ou seja, os temas trazidos num eventual processo de reforma política não são “complexos demais para um plebiscito”.
3) A democracia não pode se restringir a eleições para escolha de representantes. Por isso, mecanismos como um plebiscito são importantes para aprofundar o debate sobre os temas importantes para o país. Os argumentos usados por parlamentares da oposição de direita e da própria base governista mostram que esses setores compreendem seus mandatos como “cheques em branco”, visto que foram “eleitos” e são “legítimos representantes do povo”. Mesmo que isso fosse 100% verdade, determinados temas podem ir a crivo popular extraordinariamente, justamente para verificar se os parlamentares estão sendo representantes efetivos da vontade popular.
4) Entre um plebiscito e um referendo, fico sempre com a primeira opção. No referendo, o Congresso Nacional já decidiu e aí nós temos que confirmar ou não. Foi o que aconteceu no tema do desarmamento. Falando nisso, alguém lembra no que votou naquele referendo?
5) Plebiscito não é um sinal de que o Brasil está a caminho de uma “revolução bolivariana” (seja lá o que isso for). Esses mecanismos são comuns nos EUA, por exemplo. É só você lembrar da última eleição nos EUA e vai ver que, além da votação pra governador e presidente, em vários estados aconteceram plebiscitos sobre legalização da maconha, casamento civil igualitário, entre outros temas. Bom, se você acha que os EUA também estão a caminho de uma “revolução bolivariana”… Aí pode parar de ler este texto. Só pra dar mais um exemplo: no último domingo os eleitores do Uruguai votaram num plebiscito sobre a redução da maioridade penal.
6) Em 2013, no Paraná, muita gente se escandalizou com a votação para conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Há basicamente duas formas de resolver isso: a) votando em melhores deputados, que por sua vez não votarão em colegas para conselheiro do TCE (essa é uma solução conjuntural, passageira); b) tirando dos parlamentares a prerrogativa de eleição do conselheiro e passando esta prerrogativa para o voto popular. Pois bem… vejo muitas pessoas que questionaram a escolha de Fábio Camargo para o TCE se posicionarem contrárias ao plebiscito. É muita incoerência para uma pessoa em menos de um ano.
7) A maior parcela dos senadores e deputados é contrária ao fim das doações de empresas e pessoas jurídicas para campanhas eleitorais. O sistema, do jeito que está, favorece aos interesses dos que já estão eleitos. A melhor maneira de evitar que isso mude é fazer com que a decisão sobre este tema esteja nas mãos… deles! Quem quer mudanças neste tema tem que se posicionar favorável ao plebiscito.
Por fim, entendo que o fim do financiamento empresarial e a limitação do financiamento privado para as campanhas eleitorais é apenas um primeiro pequeno passo para a “democratização da democracia” brasileira. Se a maneira possível de fazer isso é por um plebiscito, que ele venha!