
Apesar de milhares de pessoas comparecessem às Paradas da Diversidade em Curitiba, a cidade ainda é uma das campeãs em assassinatos LGBTfóbicos no Brasil
Publicado originalmente em Notícias Paraná
O mito de uma cidade-modelo é também o mito de uma cidade que respeita os direitos humanos. Mas, a cada ano que passa, os mitos sobre Curitiba ficam mais longe da realidade. E é assim também no caso da população LGBT, que tem a nossa cidade como uma das que lidera o número de assassinatos no Brasil.
Diversas pautas dos movimentos LGBTs são demandas que dependem de uma legislação nacional (como o casamento civil igualitário e a lei do nome social). No entanto, é possível construir diversas políticas de combate a LGBTfobia em âmbito municipal, especialmente porque cabe ao município a gestão do ensino básico e fundamental e da atenção primária em saúde.
Isso é fundamental, visto que a não-realização dessas políticas ou o não-combate à LGBTfobia é o mesmo que compactuar com os assassinatos, com o preconceito, com a humilhação. Assim como quem está no rio com uma correnteza, quem fica parado (neutro) é levado pela correnteza (por aquilo que já acontece hoje).
Não podemos condenar gerações de pessoas LGBTs a viverem confinadas em casas com famílias lgbtfóbicas, escolas lgbtfóbicas, nenhum espaço de encontro, socialização e reconhecimento. Pessoas que, condenadas ao medo cotidiano de, pelo que são, perder todos os laços de socialização e também as bases materiais de existência. É preciso construir, no hoje, o futuro que queremos!
Por isso, quando falamos numa cidade para as LGBTs, falamos numa cidade que tenha políticas que combatem a opressão que atualmente sofrem aquelas pessoas que são lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis e transexuais. Falamos numa cidade em que a Prefeitura não se omita perante esses temas.
Além das políticas mais gerais de conscientização, com materiais educativos, campanhas e mutirões (como são feitas para uma série de doenças ou para questões de trânsito), há políticas específicas a serem feitas. Listo abaixo alguns temas para debate e construção coletiva, com as pessoas LGBTs interessadas:
Saúde. É preciso um processo permanente de capacitação sobre saúde LGBT, visto que há muito pouco sobre este conteúdo nas faculdades da área de saúde. Saúde não é só combate a doença: é cuidado, é acolhimento, é conscientização. Além disso, é possível uma política integrada de acolhimento e orientação, sem uma visão estigmatizadora da sexualidade e identidade de gênero das pessoas LGBTs.
Educação. Na educação, temos muito a fazer. É fundamental que este seja um debate permanente nas escolas, garantindo que desde cedo as crianças possam viver e respeitar as diferenças. É preciso enfrentar os que hoje criminalizam a diversidade através de projetos como o “escola sem partido” ou pelo combate a “ideologia de gênero”. Se não avançarmos para uma educação com diversidade, continuaremos sendo uma cidade (e um país) campeão em mortes por LGBTfobia.
Lazer e sociabilidade. É possível construir espaços de lazer e sociabilidade para a população LGBTs, visto que atualmente os poucos espaços que existem são particulares e com entrada muito cara. Em uma sociedade heterossexista, construir espaços acessíveis de reconhecimento entre pessoas LGBTs é de fundamental importância para possibilitar vidas dignas.
Moradia. As pessoas LGBTs expulsas de casa não podem ficar sem ter para onde ir. Ainda pior: as pessoas que sofrem violência em casa não podem ter medo de sair. Defendemos a criação de um centro de referências contra violências lgbtfóbicas. Esse centro deve possuir profissionais de saúde, para primeiro acolhimento, bem como estrutura para albergue provisório das pessoas que não têm onde morar.
Há ainda ações para reconhecer o nome social e garantir direitos iguais aos casais homoafetivos, sem necessidade de medida judicial.
Todas essas medidas dependem principalmente de empenho político, visto que elas não custam quase nada (em tempos de ajuste fiscal, isso acaba sendo importante). E dependem, também, de uma Prefeitura que ouse, que não culpe o preconceito da sociedade por sua incacidade e vacilação.
A população LGBT merece ter Curitiba como sua! No acesso ao lazer, à cultura, à moradia, à saúde e à educação!