No dia 23 de maio de 2016, a Câmara Municipal de Curitiba referendou os vetos do prefeito Gustavo Fruet à Lei das Doulas. O placar foi 18 votos a 12. A lei havia sido aprovada, cerca de 45 dias antes, por unanimidade pelos vereadores.
E o que foi vetado não são detalhes.
Originalmente a lei previa que os hospitais, públicos ou privados, tivessem de aceitar a opção da gestante por ser acompanhada e orientada pela doula durante o trabalho de parto. Não havia imposição de que as gestantes devem ter doulas; apenas a obrigação de que os hospitais aceitem e respeitem a opção da mulher.
Pois bem. Fruet vetou essa parte e também outro artigo, fazendo com que a doula seja obrigada a apresentar um certificado de curso na área de saúde, descaracterizando essa função.
Agora, com o veto mantido, as gestantes terão de escolher entre terem a doula ou o pai do bebê como seus acompanhantes no centro cirúrgico. Para as doulas, a entrada foi dificultada, muito diferente dos cinegrafistas e fotógrafos, permitidos (e até incentivados) em alguns hospitais.
E o que aconteceu nesses 45 dias entre a aprovação da lei (por unanimidade), o veto de Fruet e a manutenção do veto pela Câmara? Muita pressão econômica e lobby por parte da FEHOSPAR – Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviço de Saúde no Estado do Paraná –, que ofereceu um jantar para todos os vereadores.
Note que os vereadores não foram convidados para um eventual “jantar anual da FEHOSPAR”. Isso já seria estranho. Eles foram convidados para um jantar sobre a lei que havia sido votada. No período entra ela ser votada e vetada. Para registro, no mesmo período o SINDIPAR – Sindicato dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde no Estado do Paraná –, filiado à FEHOSPAR, ofereceu um reajuste salarial pífio aos trabalhadores da saúde privada de Curitiba. Vê-se aqui quais as prioridades dos donos dos hospitais.
Assistir à sessão da Câmara que manteve os vetos foi triste. Em determinado momento gritei lá de cima do auditório, tal o absurdo que era falado. Pude ver, ao vivo, o vereador Paulo Salamuni, do PV, que sempre se disse contrário às máfias que atuavam na Câmara, subir à tribuna para defender o veto, anunciando sua capitulação ao lobby da indústria da cesariana. O mesmo fez Felipe Braga Cortes, do PSD, mentiu na “cara dura”. Cortes disse que o projeto não tinha passado pela análise da Comissão de Saúde, Bem-Estar Social e Esporte. Outros 16 vereadores referendaram o veto, incluindo Jorge Bernardi, do REDE-nova-política-fazemos-diferente-apenas-no-discurso, Jhonny Stica e Pedro Paulo – os dois atualmente no PDT, eleitos pelo PT, com muitos votos de defensores do parto humanizado. Outros saíram da sessão evitando se posicionar.
Outro papel lamentável foi o cumprido por duas “representantes” da enfermagem, Simone Peruzzo e Maria Goretti, membros da diretoria atual do – Conselho Regional de Enfermagem – COREN. Estavam lá, junto com a FEHOSPAR, em favor do veto. Em entrevistas, Peruzzo afirmou que o parto está dentro de um modelo “hospitalocêntrico”, o que é verdade. Mas essa fala se tornou pura hipocrisia a partir do momento em que ela se colocou contrária a uma lei que ajudaria a mudar, pelo menos em parte, essa situação. O COREN acabou servindo de “boi de piranha” para a FEHOSPAR, aquela mesma Federação que congrega empresários do setor que pagam baixíssimos salários para as profissionais de enfermagem.
Infelizmente, a Lei das Doulas também sucumbiu diante dos arranjos eleitorais da cidade. A bancada de vereadores favorável a Fruet seguiu a orientação do prefeito, aparentemente sem refletir sobre o tema. Inversamente, muitos que votaram contra o veto optaram por isso apenas por fazerem oposição ao prefeito.
Esse processo todo foi uma aula de “a política como ela é”. Vimos grupos de interesse se ausentando do debate no momento da votação da lei, sabendo que seu lobby é tão forte perante os políticos atuais, que tudo poderia ser revertido com articulações de gabinete. Por outro lado, aprendemos que os que desejam mudanças no status quo atual têm de estar sempre mobilizados, sob risco de perderam conquistas e direitos, mesmo que pequenos.
No fim das contas, o que estava em jogo era a possibilidade de as mulheres serem melhor informadas sobre seus direitos durante a gestação e na hora do parto. Era a possibilidade de, com maior informação, as mulheres se posicionarem a favor do parto normal e/ou natural e humanizado. A possibilidade de enfraquecermos a indústria da cesárea. Foi isso que esteve em jogo. Foi isso que os vereadores de Curitiba e a Prefeitura se negaram a aprovar.
A luta seguirá. Perdemos mais uma batalha em defesa de uma saúde coletiva que supere o modelo medicocentrado e hospitalocêntrico atual. Mas seguiremos firmes, cada vez maiores e mais fortes.