Publicado originalmente em Notícias Paraná
Na última pesquisa IBOPE feita em Curitiba, mais uma vez a saúde está em primeiro lugar… das reclamações da população. Se fosse um candidato, com 44% das intenções de voto, a saúde poderia vencer no primeiro turno. No segundo lugar, com um índice quase 3x menor, vem a segurança, lembrada por 16% dos entrevistados como o maior problema da cidade.
Se olharmos outras pesquisas, nas eleições anteriores, vamos ver que esses índices se repetem. Isso vale também para outras cidades e outros estados. Por isso, vale nos perguntar o porquê da saúde liderar praticamente todas as pesquisas que perguntem para a população qual é o seu maior problema.
Minha primeira hipótese é: a saúde, mais do que qualquer outra política pública, não se encerra em si mesma. Ou seja, não basta apenas investir no orçamento da saúde se as demais políticas, como educação, assistência social, emprego, cultura e outras não funcionarem. Uma boa evidência disso é a pesquisa da ONU (Organização das Nações Unidas), divulgada pela Gazeta do Povo no final do ano de 2015, que mostra uma diferença de 13 anos de expectativa de vida entre os que nascem em bairros diferentes na região de Curitiba. O próprio gráfico explicita a questão: quanto maior a rede de saneamento básico e a escolaridade, maior a expectativa de vida. É, sem dúvida, resultado de Curitiba ser a 17ª cidade mais desigual do mundo.
Mas, no Brasil (e em Curitiba não é diferente), vivemos a era de uma política baseada na divisão do aparelho de Estado entre as diferentes facções partidárias. Com as Secretarias e Ministérios (de todos os governos, com raríssimas exceções) sendo ocupados como porteira fechada por partidos e grupos políticos, o diálogo entre eles é quase inexistente, o que ajuda a dificultar as politicas integradas que certamente teriam um impacto positivo na saúde da população.
Além desta primeira hipótese, temos os fatores comuns a outras políticas: falta de investimento, uma visão de que elas são gastos, péssimas condições de trabalho, terceirização e baixos salários, o que desestimula os trabalhadores. Em Curitiba, os concursos públicos para a Secretaria de Saúde estão congelados há anos, o que vai fazendo com que cada vez dependamos de trabalhadores terceirizados, estagiários, residentes e voluntários para fazer um atendimento que deveria ser prioridade.
O que mais chama atenção é que a política mais rejeitada é, ao mesmo tempo, aquela em que mais avançamos em termos de legislação. O SUS – Sistema Único de Saúde – é uma conquistas incrível do povo brasileiro. Até a sua criação, só aqueles trabalhadores com carteira-assinada tinham direito ao acesso a saúde. Depois de 1988, avançamos para um sistema que tem que ser universal, atender com igualdade, integralmente, perto da sua casa e democrático.
Talvez parte das insatisfações esteja justamente aí: há o que se reclamar daquilo que se tem uma expectativa. Mas isso, obviamente, não limpa a barra dos sucessivos governos que vem destruindo (ou não implementando) o SUS, privilegiando que a população continue precisando enfrentar longas filas ou ir para o sistema privado. Em muitos casos, o sistema privado acaba sendo subsidiado pelo próprio poder público, através do pagamento de consultas e compras de exames laboratoriais.
Além dos necessários investimentos nas demais áreas e da redução da desigualdade social, há diversas medidas que podem impactar positivamente na saúde dos curitibanos. É dessa forma que vamos deixar de ver a saúde figurando com destaque no primeiro lugar.
Para todas as medidas que vamos citar, é preciso ter compromisso com aquilo que é público. Infelizmente, não é o caso que vemos na nossa cidade e em nosso país, onde muitos políticos são donos de estabelecimentos privados de saúde ou são financiados por estes.
Só vamos ter saúde de qualidade se tivermos melhores condições de trabalho. Para isso, precisamos acabar com a terceirização e com as contratações via Fundação. É preciso melhorar o salário dos trabalhadores (especialmente dos Agentes Comunitários de Saúde), voltar a fazer concurso público e não deixar que o sistema dependa de horas-extras.
Só vamos ter saúde de qualidade se tivermos uma vida mais digna. Precisamos de um transporte público de melhor qualidade, em que as pessoas possam viajar sentadas na maior parte das vezes. Se uma grande parcela da população demora 2h para chegar em casa (entre a ida e a volta) e ainda trabalha 8h por dia, não é possível exigir dela que faça exercícios físico, ande no parque (como adoram indicar os cardiologistas), que se alimente com qualidade.
Só vamos ter saúde de qualidade se tivermos profissionais qualificados. Em Curitiba, o IMAP, instituto da Prefeitura que promove cursos de capacitação, está abandonado. É preciso voltar a investir nele, para que os trabalhadores da saúde tenham acesso a uma capacitação voltada para o SUS, algo que não acontece hoje na maioria das faculdades, especialmente nas de medicina.
Ao invés de fazer essas medidas, a Prefeitura infelizmente aposta em invencionices. Recentemente, orientou que os trabalhadores ligassem para a casa daqueles que estão em filas de espera, perguntando se querem mesmo estar e se precisam de tais consultas. Um absurdo, em todos os sentidos.
Por fim, é preciso dizer que não basta substituir a saúde por outro problema na lista da população. Devemos, sim, trabalhar para que o nenhum seja o primeiro colocado daqui uns anos nessas pesquisas.