Um dos pontos que mais vem a tona no processo de eleições é o caráter pessoal da politica tradicional. A maior parte dos candidatos se apresenta enquanto “salvadores da pátria” e se coloca como sendo a solução de “todos os problemas”. Para isso, os candidatos distribuem “ajudas” para a população, especialmente para aqueles que mais precisam, e tem sua atuação parlamentar marcada por conquistar aos “bairros” ou aos “municípios” direitos que já existem e que deveriam ser obrigação por parte do Poder Executivo.
A lógica de o “Executivo não fazer” e deixar para o “Legislativo conquistar” é um dos pilares do funcionamento do poder político no Brasil. Desta maneira, o Poder Legislativo, em especial os vereadores, servem apenas para fazer emendas individuais no orçamento, fazendo com que a inauguração de obras (que são DIREITO da população) pareçam uma benção do político A ou político B. Para o Poder Executivo liberar tais emendas, exige que o vereador ou o deputado vote nas propostas do governo. Muitas vezes, o vereador vota a favor da privatização da saúde para poder “ganhar” a inauguração de um Posto de Saúde numa “base eleitoral” (uma das mais importantes medidas de uma reforma política no Brasil seria, portanto, o fim das emendas individuais, diminuindo em muito o caráter clientelista da relação Executivo-Legislativo).
Mas não são todos os partidos e candidatos que participam das eleições desta forma. Há partidos que criticam este modelo mas que não saem as ruas; por outro lado, nós, do PSOL, vamos aos bairros, as fábricas, escolas, universidades e mais aonde for possível para falar de nossa posição política, da importância de haver uma oposição de esquerda no Brasil, da necessidade de fazer movimento e fazer política cotidianamente. Nossos candidatos são, neste caso, uma mediação para o contato com a população, visto que no dia 07 de outubro todos precisam apertar números na urna que significam o voto em algumas pessoas, que podem ou não significar um projeto político. Seria ótimo se fosse possível fazer propaganda de um partido e do seu respectivo projeto político também para além das eleições; mas as dificuldades são tremendas: tarefas do movimento, dificuldades de tempo, ausência das liberações, etc.
A tarefa mais difícil do processo eleitoral é, então, despessoalizar a política e, por outro lado, politizar as pessoas. É falsa, portanto, a acusação de que as candidaturas da esquerda e/ou do PSOL são “pessoais” ou “personalistas”. São essas as candidaturas que tentam romper com essa lógica, não mantê-la.
Por outro lado, é evidente que o fato de serem escolhidos como candidatos e representantes do partido no processo eleitoral, mostra que esses militantes já são figuras públicas importantes em seu movimento ou em sua esfera de atuação. E, por serem militantes, por se exporem publicamente inclusive, são convidados a novos espaços, são procurados por aqueles que desejam fazer movimento, fazer militância, fazer política. A militância gera militância!
A construção de figuras públicas acontece de várias maneiras. Vou relatar aqui o processo que aconteceu comigo. Sempre tive vontade de fazer política, não sei bem ao certo a origem disso. Será pelo fato de ter nascido um dia após um grande comício das Diretas Já? Será o fato de eu gostar de sambas-enredo, muitos deles sobre a história do Brasil? Será a influência do humanismo cristão majoritário na minha família? Ou será a minha irmã, que foi atuante no movimento estudantil de Arquitetura? Não sei ao certo, talvez seja um pouco de tudo. Mas o fato é que em abril de 2002 me filiei ao PT. Em setembro, aconteceu o Plebiscito Popular sobre a ALCA e eu estive num dos atos públicos da atividade, quando fui convidado para um debate sobre a ALCA que contaria com a presença, entre outros, da então senadora Heloísa Helena. Lembrava dela, afinal, um ano antes, tive muito orgulho de ver na TV uma senadora mulher, franzina, alagoana, “dando de dedo” na cara do então poderoso ACM.
Esse debate mudou a trajetória da minha vida. Conheci muitas pessoas e me interessei em fazer campanha para o deputado Dr. Rosinha, do mesmo grupo de Heloísa dentro do PT. Foi um mês intenso de campanha, que continuou no segundo turno, agora na campanha do Lula para presidente. Depois disso, aprovação no vestibular para Ciências Sociais, curso que muitos daqueles que haviam feito campanha pro Dr. Rosinha estavam matriculados. Logo que entrei na faculdade, comecei a fazer parte do Centro Acadêmicos de Ciências Sociais (CACS) e uma das nossas ações era construir a greve dos trabalhadores da UFPR. Acompanhei algumas assembleias do SINDITEST-PR, sem imaginar que um dia seria diretor desta entidade.
Neste mesmo período tive uma das minhas maiores frustrações políticas. O “nosso” deputado, Dr. Rosinha, convocou uma reunião com a juventude e os estudantes pra mostrar como a reforma da previdência proposta pelo governo Lula era semelhante a de FHC e muito prejudicial ao serviço público. Acreditando nisso, militamos muito na universidade para barrar esta medida, para construir a greve. Foi neste momento que conheci camaradas que estou junto na militância até hoje, como os amigos Luis Almeida e Hélio. Mas a vida dá voltas e justamente aquele deputado que nos incentivou a fazer a luta foi o mesmo que na Hora H votou A FAVOR da reforma da previdência. Nem sequer uma abstenção aconteceu.
Mas a luta continuou. No fim de 2003, me juntei a um grupo que saiu do PT junto com a expulsão dos parlamentares Heloisa Helena, Luciana Genro, Babá e João Fontes. Em janeiro de 2004, estávamos engajados na construção de um novo partido de esquerda, socialista e democrático. Aprendendo com os erros de nossa participação na eleição do DCE-UFPR de 2003, fizemos uma boa chapa em 2004e saímos vitoriosos. De uma hora para outra, estávamos a frente da maior entidade estudantil do Paraná na época. Mas a política nunca é linear. Em 2005, muitos dos colegas nos quais tinha referência, confiança e amizade, foram pouco a pouco saindo da militância. A vida estava dura: o Governo Lula era um sucesso e as análises que tínhamos feito quando fundamos o PSOL (que seríamos oposição de esquerda a um governo em crise) estavam erradas.
Neste momento, vivi um dilema: continuar e assumir a liderança de alguns processos ou recuar e ir pra casa. Optei pela militância. Essa opção foi de, em grande medida, a participação no PSOL ter me possibilitado, até aquele momento, a relação política com muitas pessoas de outros estados, com experiências distintas de militância, que me ensinaram a importância da nossa atuação e a necessidade de construirmos um projeto mais estratégico, mesmo que demorado.
Ao final de 2005 fui chamado em um concurso público que havia feito para técnico-administrativo da UFPR. Em janeiro de 2006, a Central de Agendamentos do Hospital de Clínicas da UFPR passava a ser meu local de trabalho. A ideia era “sossegar” mas isso não foi possível. As condições de trabalho eram horríveis e os colegas de trabalho recém-ingressos reclamavam, questionavam diversas questões, etc. Em meados de 2006, alguns adicionais de insalubridade são cassados, o que gera uma certa mobilização no HC, da qual todos da Central de Agendamentos participam.
De lá pra cá, as coisas caminharam rápido. Em 2007 participei de minha primeira greve, com boa adesão de todos os TAE’s da Central. Ao final do ano, convite para compor uma chapa duvidosa do sindicato, mas que tinha naquele momento um sentido de luta, de derrotar a direção do sindicato que havia boicotado a greve de 2007. Depois, em 2008, 2009, 2010 e 2011, acabei por fazer parte daquele grupo que dentro do SINDITEST buscava fazer diferente e que acabou, em 2011, construindo com novos militantes da categoria uma chapa que venceu as eleições do sindicato.
Neste período, por trabalhar no HC, comecei a ser convidado pelo movimento estudantil para falar sobre a situação dos Hospitais Universitários. Vi que isso estava sério quando fui ao Rio de Janeiro num encontro de estudantes de medicina. Era uma nova responsabilidade, exigia estudos e outros conhecimentos. Ao invés de recusar os convites, optei por ir atrás, estudar: fiz a monografia de conclusão do curso de Ciências Sociais neste tema, estou hoje no mestrado em Saúde Coletiva aprofundando os estudos. O trabalho em saúde abriu novas possibilidades de militância: Fórum Popular de Saúde, apoio ao movimento estudantil, Conferências de Saúde, Frente Nacional.
Foi por esta militância que aceitei o desafio de, em 2010, ser candidato a deputado estadual pelo PSOL. Desafio aceito e cumprido, com um apoio importante da minha família, dos amigos, dos colegas que me conheciam e viram que votar pode valer a pena. Em 2012, estamos em outro desafio: construir uma campanha em Curitiba, a 17ª cidade mais desigual do mundo, propagandeada como modelo mundo afora.
O desafio está lançado: mostrar a todos que a nossa militância não é uma vontade pessoal. A militância faz parte de um projeto mais geral de transformação da sociedade, faz parte de algo que está para além dos indivíduos. A tarefa da campanha é, neste sentido, despessoalizar a política para politizar as pessoas!
*Bernardo Pilotto é técnico-administrativo do HC/UFPR e diretor-licenciado do SINDITEST-PR. É fundador do PSOL e pré-candidato a vereador em Curitiba.